Grandes maricas. Já estou à beira da overdose de pastilhas rennies à conta do Anticrhrist do Lars von Trier. Não aconselhável a pessoas propensas a ataques de ansiedade extrema.
Estou com enxaqueca por ter estado a ouvir as duas horas de debate quinzenal na Assembleia da República. Numa casa onde falta o pão, todos gritam e ninguém tem razão.
Hoje tornei a sonhar com o rio. Já sei que o dia não vai correr bem. Fiz de propósito e fui para o trabalho pela marginal. Gostava de te esquecer definitivamente, por vezes penso que consegui, mas depois volto a sonhar com o rio, com o barco, contigo. Fui muito feliz nessa altura e não o percebi. Era novo e era estúpido e tive medo. Lembro-me de ti, encharcada até aos ossos, o cabelo em desalinho mas tão feliz. Usavas umas sandálias azuis de tiras e o meu casaco que mais parecia uma capa de tão largo que estava. Agora, passado tantos anos, torno uma e outra vez a sonhar com essa viagem, essa tarde. Encontro-te na rua com as crianças e volto a ser assaltado pelos mesmos fantasmas. Era comigo que devias estar, estes deveriam ser os meus filhos. Agora é tarde demais.
Percorreu o pátio da villa em passos lentos e descontraídos por entre o bando de crianças a correr. O sol inundava a casa grande de chão de blocos de pedra irregular. Entra na casa pelas portas altas de madeira e sente a frescura no interior. A villa está repleta de convidados, é preciso confirmar se está tudo pronto para a festa. Alguns ainda estão nos quartos a tentar fugir ao calor intenso. Pequenos grupos de pessoas conversam em voz baixa ao sabor do long drink. Entra na cozinha e ouve o riso das crianças no pátio e passos no andar de cima. Decide verificar se a comida está pronta. Prepara um gin tónico com muito limão e fica por instantes na porta a contemplar as bugavílias e o mediterrâneo no horizonte. Sente o calor tépido, as pequenas correntes de ar entre o seu corpo e o vestido de musseline branco com pequenas flores.
Vai tudo correr bem, pensou. Quando volta à cozinha um pequeno descuido causa o estilhaço do copo no chão de pedra. A bebida escorre pelo vestido e ela sente o líquido gelado nas pernas. Varre os despojos do acidente e atravessa novamente o pátio em direcção ao quarto. Passa por um estranho trio visivelmente embriagado e sente o vestido a secar e uma longa mancha amarela a surgir no tecido. Contorna o pátio e entra na casa contígua. Precisa de ir ao quarto no átrio de entrada trocar de roupa. A porta está apenas encostada e ao entrar acende um cigarro. Encontra o que quer, um vestido verde água. Passa pela cama de dossel e percebe que A. está deitada. Não simpatiza particularmente com ela, em tempos tiveram de trabalhar juntas e não ficaram boas recordações. Não a vê, os panos estão corridos, percebe que está acompanhada e apenas murmura
"Sou eu, desculpa, vim buscar uma coisa, vou sair já."
Lá fora as pessoas falam, comem, riem. Ao sair ouve a voz dele na cama de dossel
"Nem percebeu que era eu. Aliás, durante estes anos todos, nunca percebeu nada".
O seu coração pára de bater, os três passos que a separam da saída são vinte anos passados ao lado daquelas duas frases. Volta atrás com passos bruscos, fecha as portadas da janela com grades, cerra os cortinados, atira o cigarro para cima dos panos da cama, sai no momento em que a primeira labareda irrompe e tranca a porta à chave.
Domingo. O carro a deslizar pela marginal. Trânsito e gaivotas.
Ela - Queres casar comigo?
Ele - Humpf...
Ela - Não queres?...
Ele - Quero. Mas só quando me perguntares um vez só. Quando perguntares a sério.
Ela - Mas é um pedido sério...
Ele - ...
Ela - Eu peço-te em casamento todos os dias mas nunca tinha pedido ninguém...
Ele - ....
Ela - A sério.
Ele - Todos os dias não vale.
Ela - ...
Ele - Só aceito quando perguntares uma vez, quando for verdade.
Ela - Queres casar comigo?
Ele - ...
Vi-te. Estavas na esquina a olhar para a montra da loja de tintas. Passei pé ante pé pelas tuas costas e gesticulei até sentir cãimbras para conseguir parar um táxi. Imaginei-te a escolher a cor com a qual vais pintar paredes que nunca conhecerei. Aposto que vais decidir pelo azul acinzentado, céu à espera de tempestade. Ao entrar no carro não resisti a olhar e vi-te à espera na passadeira. O corpo ao vento. No táxi em movimento apeteceu-me mergulhar num gigantesco balde de tinta verde.
Porque é que aceitamos tão bem a impunidade? Sinceramente não me parece que a educação cristã castradora justifique tudo. Aparentemente todos apontamos o dedo, mas no fundo temos receio das palavras justiça, condenação, olho-por-olho. Temos medo e tribunais em colapso e pessoas impunes a comer bifes como se nada fosse. O mundo é realmente um lugar estranho.
Ontem enquanto esperava na rua por uma mesa no restaurante e sonhava com um tapa-orelhas, voz amiga relatou o sonho da última noite ainda em angústia com a acção do mesmo. Depois de escutar atentamente apercebi-me que ali estava a génese de um guião cinematográfico perfeito. Uma história fabricada no inconsciente mas com todos os elementos no lugar certo. Personagens, local, acção, violência psicológica, moralidade (ou falta dela), final eloquente. Um autêntico romance, ou pelo menos um conto, depende do número de palavras que é necessário para o registar devidamente. Esta história dava um post. E dá mesmo. A partir de hoje está aberta mais uma tasca no blog. Se sonhar, envie para umhomemnacidade@gmail.com as linhas gerais do seu sonho. Deste lado prometemos um conto em troca.
Ler (e ouvir) o Caminhos da Memória.
Aconteça o que acontecer, a história que originou a famigerada placa da sede da PIDE está bem documentada. Não há meio de apagar a memória do último acto daquela criminosa polícia política, perpetrado no próprio dia da conquista da Liberdade. Jorge Martins
Este é o meu segundo blog, o primeiro durou uns anos, ao fim de algum tempo, o mundo da blogosfera parecia-me estagnado e decidi sair. Também ajudou ter dado cabo do html e do template de forma irremediável numa das muitas modificações à pata sem conhecimentos muito profundos. Pareceu-me um sinal divino e afastei-me. Mantive-me, no entanto, a ler com assiduidade a blogosfera.
Ao fim de três anos decidi iniciar o Um Homem na Cidade. Entretanto a blogosfera mudou muito. O peso dos blogs de opinião política aumentou e passaram a competir com os jornais. Surgiram muitas vozes novas, algumas deram o salto para a imprensa e para aqueles desejados cargos comentadores-de-tudo-e-mais-um-par-de-botas. Muitos aspiram a esse salto, como quem passa pelas jotas almeja chegar a líder do país, mas ainda não foram bafejados pela sorte, talvez as cunhas não serão as mais corruptas, ou, o mais certo, não têm rigorosamente nada a dizer e o mundo agradece. Muitas pessoas totalmente desconhecidas antes e sem mérito subiram desta forma na vida profissional.
Salvo raras excepções, os blogs de mais influência estão mais direccionados ao ataque, maledicência e à autopromoção do que propriamente num diálogo construtivo, apresentação de novos projectos e soluções, ou um simples discurso ou análise inteligente. Exemplo flagrante disso foi a grande polémica em relação ao casamento homossexual e a pouca afluência no debate do orçamento, uma questão vital no estrangulamento económico actual em que vivemos. Parece que para dar bitaites sobre o casamento há muitos opinadores, ter noções de economia e gestão é mais complicado. É a triagem natural, à semelhança da natureza, no fim sobrevivem os mais fortes.
Há uma confusão pouco saudável entre opinião e notícia. E uma mistura doentia entre o profissional e o privado. Basta dar uma vista de olhos pelos principais blogs para compreender que a maior parte do que é discutido não é mais do que dores de corno, ódios assassinos, amores mal resolvidos e ajustes de conta. Vale tudo e já não há heróis.
Gostava de acrescentar que a maioria escreve mal, tão mal que até dói os olhos. Alguém convença esta gente que ser jurista, canalizador ou filósofo nem sempre é sinónimo de boa literatura.
E, para compor o ramalhete, parece que agora há uma classe de parasitas à solta na blogosfera. Alguém lança um tema, por mais inócuo que seja, sei lá, a minha empregada deu-me cabo dos peúgos, e imediatamente o parasita replica o mesmo na sua tasca, sim senhora, a minha empregada é um desastre com os detergentes, assim falamos todos da mesma coisa e vamos dando nas vistas subindo em bicos de pés à boleia alheia.
Dentro da classe dos parasitas há uma pior do que as outras. Esta ataca qualquer pessoa que se destaque por mérito próprio, quanto mais longe subir pior é o ataque que poderá manifestar-se de várias formas. A melhor, com mais proveitos, é arrasar as suas ideias, tentando criar um ciclo viciado de ataque-e-resposta, e como arma serve tudo o que esteja à mão. O exemplo mais flagrante actualmente é o Pedro Lomba, não há opina-sopinhas que não deseje entrar em confronto, o must é conseguir que ele responda, está criado o trampolim, enquanto aquilo durar é mais do que certo que o nome do parasita ganha pontos na grande tasca que é a blosgosfera. No fundo, é tudo uma questão de ranking.
Ando a dar voltas e voltas a pensar em algo para o atacar – não é fácil, até à despensa do Diário da República já foram –, não que desgoste do que escreve, antes pelo contrário, reconheço-lhe razão na maior parte das vezes, a questão é que tenho imensas opiniões para vomitar em horário nobre. Para começar ficava contente com uma coluna de opinião num jornal.
Noite. lançamento de combates. copo de água. conhecer-te. descoberta de ruas e espaços. cigarro à porta. parecias mesmo tu mas tinhas uns óculos esquisitíssimos. conversas. blá, blá, blá. nem acredito no que te disse. meu deus. jantar. o cão. calçadas íngremes. restaurante. topo-te bem, estás a prozac que é uma maravilha. sangria. o prato de sempre. faz de conta. apareceste. estás a precisar de um corte de cabelo. sangria. sangria. mais amigos para brincarmos. o problema dos prédios devolutos em lisboa. santana lopes, vê lá tu. tens uma voz de veludo. dividir pannacotta. arranjinhos. despedida. cafés e cigarros. está frio. morasses noutro sítio e serias melhor pessoa. mais despedidas. carro alugado e não tarda estorricado. 8 km à hora. 35 minutos para dar a volta à colina. à porta da sé mas ninguém tem fé. está tudo louco. clube. banda. cerveja. chorinho. encontrei-o. quatro dedos de conversa, a mão nem penses. somos amigos no facebook, quem diria. negócios. igrejas e restaurantes. ala para casa. borracha queimada. travão de mão posto muito provável. combinações. mensagem no telemóvel. chegada. prenda no email. início de jogo. game over.
Jean-Luc Godar
Há uns dois anos almocei num simpático restaurante da Ilha de Luanda com um diplomata português. Antes de chegarmos à sobremesa já ele me dava conselhos: "Você só tem problemas porque fala de mais", assegurou-me. "Escreva os seus romances mas não ataque o regime. Não há necessidade." Depois disso tenho escutado conselhos semelhante vindos de editores, empresários e políticos portugueses.
José Eduardo Agualusa, no jornal i.
Uma coisa que me comove é ver gente que esconde o seu nome à procura do nome dos outros no “Diário da República”. Uma coisa que me comove é ver gente que não mostra o seu curriculo para poder escrever o que entende a esfregar na cara dos outros o currículo dos outros por causa de coisas que os outros escrevem. Se há coisa que me comove é a coerência de quem exibe o passado dos outros enquanto esconde o seu presente. Quem dá o nome por uma denúncia merece resposta. Quem o esconde é apenas um bufo e como bufo deve ser tratado. E esta pequena diferença faz toda a diferença. Daniel Olveira no Arrastão.
Depois deste post infeliz do "Miguel Abrantes" na Câmara corporativa penso que é mais do que justo termos todos acesso ao currículo detalhado do mesmo na internet (por carta registada também serve) e eu, em particular, gostava também de ver fotografias, da primeira comunhão, etc, de preferência a preto e branco.
Gostava de ter sido eu a escrever este diálogo.
Regresso a casa e apanho o Monster's Ball exactamente no momento mais alto do filme, aquele que fez com que o elegesse um dos meus preferidos na última década. Decido rever o filme, recordo todas as cenas, os diálogos espantosos que evocam algo acima de apenas amor, ódio, racismo, morte e solidão.
– Quero que me faças sentir bem.
Diz ela numa das cenas de sexo mais espantosas e belas, a imagem desfocada no espelho, o pássaro na gaiola. E depois o momento em que se sentam no alpendre para comer gelado e ela vê as três campas.
– Vai correr tudo bem, diz ele.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES