A pouco mais de um dia para partir conheço de madrugada alguém que percorreu em tempos o mesmo destino. Conversamos longamente sobre o Norte e o Sul, zonas, rios e mares e até uma rua. Na minha cabeça oriento-me perfeitamente num país onde nunca estive e percebo a meio da conversa que o meu corpo está aqui mas o resto já partiu.
O que resta é sempre o princípio feliz de qualquer coisa.
Agustina Bessa-Luís
A água é fria e translúcida e avanço pé ante pé nas rochas. Há peixes em movimento, corropio entre algas, corpos e espuma. Do outro lado, água quente e palavras esperadas, acena uma promessa de futuro.
Na estrada encontro o canhão do homem-bala. Em tons de azul festivo, todo ele pólvora, ilusão e hérnias discais. O azul-festivo do canhão é parecido ao da piscina, que agora arranjada parece outra. Uma piscina banal que todos aplaudem e molham um pé para testar a temperatura, mas que não deixa de ser o que é, uma entre tantas. A anterior era temperamental, se caiam bátegas e soprava o vento forte do oceano, a água transbordava e inundava a casa. O azul das paredes tingia o que apanhava à frente – terreno, chão, árvores, limões – até contaminar tudo. Entramos pelo portão da casa com as azeitonas em flor. Uma diva, apesar da esclerose lateral amiotrófica – o pior tipo de prisão domiciliária – , que nos recebe com alegria circense. Mais tarde, quando o areal é uma extensão a perder de vista, ou é o mar que é tão infinito, mergulho no resto.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES