Conseguiria eu escrever literatura de viagem? Talvez, mas seria um fracasso. Se viajo interessa-me o particular, muitas vezes invisível. Não ser visível não é um acaso - ninguém querer saber costuma ser o motivo mais frequente. Para escrever teria de fingir, olhar para o concreto, alinhar palavras numa luta comigo próprio, sempre a aplacar o desejo de as baralhar. Trago comigo imagens, considerações, conselhos e recomendações alheias. Falaram-me do desleixo da terra, as carcaças no mar, a probreza a abanar ao vento. Chego à ilha e viajo em estradas novas, bem sinalizadas, os traços e linhas visíveis na escuridão. A recepção do hotel transpira conforto e modernidade. Tudo pronto, rápido, eficiente. No bungalow repete-se o mesmo cenário. Conforto, modernidade e - arrisco - design, essa palavra que empesta sem clemência o mundo moderno. Dizem-me que África tem três velocidades - lento, muito lento ou parado. Ando na rua e observo as pessoas a trabalhar - eficientes, seguras, simpáticas. Afinal, que velocidade é esta que desconheço no meu próprio país?
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES