Atravessamos a ilha e subitamente o mar dá lugar a uma paisagem lunar, árida, dura, compacta. Dizem-me que são frequentes as miragens. Eu não percebo. Ou melhor, compreendo o significado da palavra mas não entendo que visão se possa ter ali. O que vejo é esta realidade. A terra a estalar, esta força de castanho e cinzento, este céu imenso, esmagador. O estrago de um vulcão em forma de terra, uma terra que não vê chover quase há um ano, esta tão real, onde assento os pés agora. Avançamos na paisagem em direcção ao mar, paramos, olhamos para trás. A terra estéril transforma-se num lago de boas proporções. Parece um feitiço, um acto sobrenatural. Mesmo consciente que assisto a um fenómeno óptico, o meu espanto sobrevive. Dou uso aos binóculos e ainda é mais extraordinário. Uma miragem ampliada mas exacta, a zombar de mim. Segundos depois é um tornado ao longe. Quando considero se será também miragem, eis que se torna demasiado real. Nesta ilha a fronteira entre o céu e a terra esbate-se a um só compasso como se ser um brinquedo de deus fosse a sua essência.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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