O cansaço era tanto que vinha a dormir de olhos abertos arredado do mundo. Só despertei quando travámos com violência e ouvi o taxista a vociferar. Em contramão, directo a nós, outro carro. Ao volante, um taxista idoso a transportar uns estrangeiros. O meu taxista reconhece o outro. Trabalha noite e dia sem descanso. Quando estaciona o carro nas praças de táxis adormece sempre. Ao contar a história do outro homem acaba por revelar um pouco a sua. Nos dias que correm de feição só trabalha catorze horas e descansa as restantes. Não sabe como é que o outro está vivo e eu penso que é um mistério não estarmos todos mortos. Eu pergunto aos meus botões que problemas corroem aquele homem que justifiquem no fim da vida trabalhar até morrer. Um tipo anda todos os dias em estradas traiçoeiras e, pior ainda, aviões. Eu, que não tenho medo nenhum de subir às alturas, dou por mim a pensar muitas vezes que talvez tenha alguma razão quem defende que se deus nos quisesse a voar tinha oferecido um par de asas. E, vai daí, uma pessoa vai pensando na morte, ou pelo menos que a devia evitar, e nos aviões que caem e nas tragédias de sempre, terramotos, cancros e afins, e quando menos espera pode ser morto a dois passos de casa por um homem que não dorme.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES