Há um calor asfixiante na cidade e tanto por fazer. Olho para o calendário e parece-me demasiado curto o tempo. No chat enviam-me mensagens, há quem compre roupa a preparar a chegada da neve, e, no entanto, aqui estou, consternado a dar sapatadas indolentes na canícula. Esta na altura de sair. Debaixo do céu estrelado ajeitam-se as cadeiras para a sessão. O jardim está arranjado e sinto dificuldade em relembrar a tristeza poética da decadência de outrora. Foi para isto que andei a trabalhar nas eleições, é bonito, mas parece-me tão pouco. Olho para os aspersores, a relva a ser alimentada em jactos circulares, e calculo quantas arruadas saíram-me do pêlo. O filme inicia e portamo-nos todos bem, arrumadinhos nas cadeiras e ninguém atende o telefone nem acende cigarros. Somos crescidos e gostamos de cinema francês. Na película a mulher está confusa, uma desarrumação mental circular como a água a cair na relva. A vida é uma sucessão de aspersores e ficção nos intervalos.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES