Segunda-feira, 6 de Setembro de 2010

 

Na baixa tento comprar o jornal. O homem no quiosque diz-me desconsolado que não tem mas vai buscar, é só uma questão de esperar um pouco. Só percebo o que quer dizer quando desaparece e deixa-me o tasco entregue. Na rua passam turistas encalorados, dois cães e um avião. Nenhuma grua à vista. Na cabine telefónica na esquina um tipo espanca o aparelho na esperança das moedas regurgitarem das entranhas da máquina para as suas mãos. Bate e torna a bater na máquina em grande alvoroço. Sentada num banco em frente uma senhora de idade reclama da pouca vergonha. Os minutos passam e nada do homem. No quiosque vejo dinheiro, tabaco, rolos fotográficos, batatas com sabor a presunto. Se a ocasião não faz o ladrão então não sei o que fará. Se acreditasse num plano maior ou, pelo menos, no mundo das coincidências em que nada acontece por acaso, este seria um momento de grande reflexão. No mundo das coincidências não perdemos aviões, falhamos num trajecto habitual ou algo corre mal inocentemente; isso acontece para escaparmos a uma desgraça maior, ou para que algo atravesse o nosso caminho de forma visível. Não apanhamos um avião, não por sermos desorganizados ou o despertador não tocar, mas porque o avião vai cair. Portanto quando esses momentos acontecem o melhor é dar mais cinco minutos ao tempo para que não ocorram falhas no plano do plano falhado. Mais cinco minutos. O homem não volta e eu começo a pensar que para me prenderem a um sítio isto foi uma ideia de génio. Mandar o homem do quiosque desaparecer, quem é que se lembrava disso. E portanto dou mais cinco minutos aos cinco minutos e olho com atenção à minha volta porque pode ser que não seja um evento mas algo que necessite ver. Primeiro é uma senhora de idade que aproxima-se para ver as revistas; do outro lado, em frente aos jornais desportivos, está um homem a ver os títulos. Nenhum deles presta-me atenção. Olho novamente para os turistas e nada. Não vejo absolutamente nada fora do normal. Concluo que livrei-me de levar com um piano em cima ao virar da esquina. Isso ou perceber em quanto tempo se desfaz um telefone à cacetada, habilidade que pode ser necessária em caso de grande aflição. Aposto cinco minutos do meu tempo que mais cedo ou mais tarde vou descobrir o propósito de aqui estar.



publicado por afonso ferreira às 01:20 | link do post | comentar

1 comentário:
De sopa de letras sem letras a 6 de Setembro de 2010 às 11:02
fantástico, quase que me revi nesse episódio. garanto-te que descreveste um pouco de Lisboa com toda a sinceridade e simplicidade que tanto a caracteriza


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