Quanto tempo é necessário para se esquecer algo ou alguém? Procuro nos confins da memória, mas, ou o esquecimento em mim funciona com uma espantosa eficácia sem mácula ou não encontrei uma resposta válida que apaziguasse a questão. Para a formular correctamente temos de dividir os eventos por importância. Quanto tempo demora a esquecer um amor frustrado? um amante? uma morte? uma infâmia? uma punhalada nas costas? uma facada no baço?
Uma vez, num jantar, uma pessoa passou pela minha mesa e, em três segundos apenas, apaixonei-me irremediavelmente, sem mais nem menos. Poderíamos questionar se este tipo de paixões são consistentes mas a verdade é que este foi mesmo um grande amor. Na altura em que fiquei com um garfo espetado no ar estava com outra pessoa a quem, se não tinha jurado amor eterno, pelo menos já trocava grandes afectos a uma pequena eternidade. Não me enganei, devido a uma série de compromissos que ambos mantivemos nos anos seguintes o nosso romance não foi imediato, mas eu nunca esqueci a pessoa e passado uns anos tivemos o nosso momento eterno. Isto significa que, se em três segundos nos podemos apaixonar, pode demorar dois a esquecer outro amor. Dois segundos. Mas há casos mais bicudos, o amor platónico que pode durar anos e que por muito tempo que passe nunca percebo se a cura é definitiva. Um esquecimento temporário, mesmo que, por vezes, por longas temporadas, nem sempre indica que não falhe e a memória e consequente obsessão regresse com mais força ainda.
De quantos segundos se compõe uma eternidade? Esquecer é o que nos salva. E não esquecer pode ser uma morte lenta.
Se consultarmos a bíblia, Epistulae morales ad Lucilium, Cartas a Lucílio de Séneca, não encontramos respostas mas possíveis caminhos que poderemos seguir para resolver a questão. "(...) Os antigos romanos instituíram para as mulheres um período de luto de um ano, não para que levassem um ano a chorar, mas para não chorarem ainda mais tempo. (...) De todas essas mulheres indica-me uma só cujas lágrimas tenha durado um mês inteiro!".
Esta ideia é interessante, há um prazo para chorar (e, portanto, recordar), mas o esquecimento é imperativo, há um tempo para esquecer. No entanto, há um factor que não pode ser desprezado, o tempo, pelos vistos a lei foi instituída para casos complicados, porque na verdade, quem é que recorda eternamente?
Para a A.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
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