A primeira vez foi um acaso. O café onde tinha combinado tomar o pequeno-almoço só abria mais tarde. Lembrou-se do salão de chá japonês como alternativa. Seguiram pela rua até ao espaço. Já sentados, pediram cafés e pequenos bolos de chá verde. O tempo foi curto para tantas coisas por dizer, quando deram pelas horas era tempo de partir. Despediram-se no largo caótico atulhado de carros. Liquefeitos na manhã cálida, prometeram coisas que não sabiam se iriam conseguir cumprir. Desde essa manhã voltou muitas vezes ao local do crime. Senta-se sempre no mesmo sítio, segunda mesa à esquerda de quem entra, olha para o mesmo menu com caracteres elegantes e volta a pedir o bolo de chá verde a acompanhar o café. Umas vezes está só, outras tem companhia. Pessoas que sentam-se à sua frente na segunda mesa à esquerda de quem entra, de costas para a porta. Falam, riem, contam enredos amorosos, revelam segredos, distilam políticas, dissecam situações, praguejam, desabafam. A senhora japonesa é sempre discreta ao servir à mesa. Nem um único olhar ou gesto seu denuncia que senta-se naquela mesa tantas manhãs. No fim há sempre despedidas no largo como na primeira vez.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
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