Não há dinheiro. É o estado das finanças. Ainda assim decidiram realizar mais uma edição do festival. Vem o cantor famoso, e há câmaras, flashes e lantejoulas. A festa acontece, sem o brilho que era costume, mas ainda se ouvem tambores. Desta vez não vemos a Deneuve a iluminar a sala, há apenas uma estrela, um homem que é tão pequeno, quem diria. Despachada a voz famosa, passamos ao salão. Os bons homens do establishment sentam-se nos lugares marcados com esmero. Não é fácil destinar cadeiras, uma subtileza que só poucos dominam. O pesadelo máximo das regras de etiqueta, é difícil sentar com graciosidade na mesma mesa proxenetismo, fugas ao fisco, pedófilia, abusos de poder(es), corrupção, bulimia... Para não falar dos egos de alguns convidados, elefantes brancos com a subtileza de tractores na altura da colheita. Baltasar Garzón sobe ao palco, homem real, não sei se o único nesta noite. Despacha a coisa em segundos. Agradece a honra e sorri. Foi mais comprida a apresentação que o seu discurso. Garzon está vivo, não morreu em nenhum atentado, não foi assassinado, até o crime anda estafado, está em crise também. Registo o momento para a minha própria eternidade, fica arrumado na categoria de private joke. Na primeiras filas, os homens bons aplaudem. Garzón volta ao seu lugar, genuíno e imperturbável. O espectáculo continua.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
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