A propósito do filme The Social Network tenho ouvido verdadeiros disparates nos últimos dias. Defender que as redes sociais têm mais influência do que a educação, cultura, ideologias ou genes, é um erro infantil. Por outras palavras, não foram as redes sociais a tornarem as pessoas idiotas, elas já eram idiotas. Pensar que o Facebook ou o Twitter em pouco tempo têm mais influência que a ausência de valores, falta de estímulos na infância, e uma genética pouco generosa, é demasiado ambicioso, para dizer o mínimo. Não consigo recordar nenhum aspecto da vida humana que tenha sido asfixiado pelas redes sociais. As pessoas continuam a fazer amigos e inimigos, a casar, a fazer sexo, a acordar todos os dias, a morrer. No entanto, reconheço a sua importância no mundo actual. Tive um Spectrum aos oito anos, recordo-me de comprar o primeiro PC, e do esforço que foi montar sozinho no computador o gravador de cds interno comprado no estrangeiro. Lembro-me de surgir a internet, o primeiro endereço de email, as primeiras navegações. Na mesma altura vieram os bips, depois os telemóveis. Era tudo novo e ninguém sabia nada, era necessário aprender tudo do zero. As reacções mais estapafúrdias surgem da geração imediatamente anterior à minha, não vejo os meus pais a discutir as redes sociais, não vejo os miúdos preocupados. Embora utilizem as novas ferramentas ao seu dispor, não cresceram com elas. Continuam a utilizar os argumentos que eu ouvia com seis anos quando surgiram aqueles pequenos jogos portáteis que foram um sucesso na década de oitenta. Como se esses jogos, ou o Spectrum ou ter jogado Tetris a mais, fossem os culpados pelos dois polegares disformes em relação ao corpo, por ter falhado na escola ou não ter chegado à universidade, nunca ter conseguido arranjar uma namorada e ser virgem aos trinta, e não ter juntado duas palavras com sentido coerente em toda a minha vida adulta. Ouço discursos inflamados sobre o quão nocivas são as redes sociais, assisto a pessoas a fecharem a conta no Facebook (mas com direito a post a anunciar ao mundo), leio textos ridículos na imprensa e penso que o que lhes falta na verdade é terem jogado um spectrunzinho na infância. Isso e talvez um bocadinho de vida própria para além das redes sociais.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
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