Onde escreve melhor é no eléctrico 25. Descobriu aquela rota nova, que o deixa exactamente no mesmo ponto que o outro, mas demora mais tempo. Por vezes leva o dobro do tempo a chegar do que é costume. Espera também mais tempo na paragem, que é muito mais longe do que a outra, é preciso andar muitas ruas, é preciso atravessar a baixa. Mas nesta paragem não há nada entre ele e o rio. Quando chega, olha para o painel e vê quantos minutos faltam para o eléctrico. São os minutos exactos que olha para a água, para o céu, para as gaivotas e os pombos. É naquela pequena viagem, mais comprida que a outra, que tem escrito sobre todas as coisas e sobre coisa alguma também. Anda a pensar sobre as regras que transporta na sua cabeça dentro de uma mala antiga de couro. O princípio, o meio, a reviravolta, o fim, o verso, o itálico, não fumar em jejum, não apanhar frio nos pés. Está farto de regras, de ir pelo caminho mais curto, de viver entre parênteses. Um dia destes, quando ninguém estiver a ver, atira a mala ao rio e não pensa mais nisso.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES