A mesma expressão encontrava-se, de resto, para onde quer que se olhasse, no rosto dos restantes espectadores. Porém, quando o fulgor da última sequência de imagens se dissipou de rompante, as luzes se acenderam na sala e o campo das visões se transformou numa tela vazia diante dos olhos da multidão, nem palmas eles puderam bater. Ninguém estava lá para receber a ovação, ninguém que se pudesse chamar ao palco para agradecer a mestria da representação. Os actores, que ali havia contracenado para fruição da assistência, há muito que estavam dispersos pelos sete ventos. O que ali se vira era tão-só sombras da sua produção, milhões de imagens fixadas instantaneamente, segmentos de acções que se restituíam depois do tempo, num ritmo alucinante, da forma como queríamos e as vezes que quiséssemos. O silêncio que a multidão mergulhara após a ilusão tinha qualquer coisa de letárgico e repulsivo. As mãos esquecidas no colo, impotentes, estavam diante do nada. As pessoas esfregavam os olhos, olhavam fixamente para a tela, envergonhavam-se de tanta luz e desejavam regressar à escuridão, na esperança de voltarem a ver, na esperança de depararem com coisas que, embora não pertencendo ao passado, eram transplantadas para o presente e retocadas pela música.
A Montanha Mágica, Thomas Mann
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
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