Paragem do eléctrico 28 na baixa. Ao lado, um casal idoso, sobretudos e chapéus, e depois outro casal estrangeiro mais jovem, gabardines e mapas. Em passo miudinho, uma velhinha amorosa, saco com compras da mercearia e olhar sereno. Ao passar por mim lança-me um olhar e aproveita para falar com o senhor de idade ao meu lado. Não dirige palavra à mulher, é ao homem que ela tem algo a dizer. Olhe para a porcaria onde eles gastam dinheiro, rosna de olhar assassino. Eles sou eu e porcaria é o cigarrinho que acendo para passar o tempo. Dito isto continua no seu passo imperturbável de polícia dos bons costumes. O homem troca olhares com a mulher, fica intrigado, olha em volta, não vê nada fora do normal, encolhe os ombros. A mim cheirou-me a Estado Novo, aos bufos da Pide e a piriquitos (para esta não tenho explicação). Nunca um cigarro me soube tão mal.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES