Está outra vez tudo a dar para o torto. "Parecia e queria algo e não sabia o quê." Por dentro é novamente uma procura, um desassossego e uma agitação totais. E a cabeça outra vez extremamente tensa. Lembro-me com uma certa inveja dos dois últimos domingos: os dias encontravam-se à minha frente como planícies abertas e vastas, eu podia caminhar nessas planícies, e os dias eram largos e sem obstáculos à vista. E agora encontro-me novamente no meio do matagal. Começou logo ontem à noite; foi nessa altura que o desassossego começou a trepar por mim acima como os vapores que se elevam de um pântano. (...) Porém, era afinal uma luta contra um cansaço natural, a que por fim me rendi, num acto de sapiência. E esta manhã parecia estar tudo em ordem. Mas quando ia na bicicleta na Apollolaan, surgiu outra vez aquela procura, aquele descontentamento, aquele sentir o vazio por trás das coisas, aquele não estar repleto de vida, mas o nela magicar sem direcção ou sentido. E neste momento estou no pântano. E igualmente a consideração de: "Enfim, isto também há-de passar", desta vez não oferece tranquilidade.
Domingo, 23 de Março de 1941, 4 horas
Diário 1941-1943, Etty Hillesum
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES