Munido do Cartão de Cidadão dou várias voltas no meu bairro para encontrar as mesas de voto. Por erro atribuíram-me a zona vizinha, mas como é indiferente avanço sem pensar muito no caso. Chego e descubro uma sala com três pessoas a receber à mesa e três sentadas em amena cavaqueira a fazer companhia às outras. Consultam as listagens e entregam-me um pequeno papel com o meu número de eleitor. Fico à espera de mais instruções e simultaneamente dou por falta das mesas de voto. Explicam-me que tenho de dirigir-me ao prédio ao lado para votar. No segundo sítio dou o cartão e o pequeno papel com o número, entregam-me o voto e dirijo-me ao biombo. Quando regresso o insólito acontece. O número está errado, sobra-me na mão o voto dobrado em quatro a abanar no ar. Propõem-me guardar o voto enquanto esclareço a situação. Guardar? Entrego confuso o voto. E dirijo-me à sala inicial. A senhora de idade encarregue da listagem tem dislexia visual, troca linhas, é necessário uma régua para levar a tarefa a bom porto. Novo número, volto à sala de voto. Perguntam-me se desejo confirmar o meu voto. Penso dois segundos e respondo com ar ligeiramente desconcertado que confio naquela mesa. Coloco o voto na urna sob o olhar atento de todas as pessoas na sala. Há sorrisos e apertos de mão e pareceu-me ouvir palmas. Se isto não é um domingo em cheio.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
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CIDADES