O homem foi com uma grande nuvem atrás à Casa da Sorte no Rossio levantar um prémio. Passou pelo painel dos signos mas desta vez não ficou a admirar os desenhos, seguiu em passo rápido com os olhos rentes ao chão coberto de papéis. No balcão desperta o interesse de quem o atende. Fazem-lhe a rábula do grande prémio, é o homem mais sortudo do mundo, uma fortuna que ali vai buscar. O homem acaba a sorrir com tanto teatro, guarda o prémio menor no bolso, demora-se na conversa mais do que esperava. Despede-se dos actores e segue a trote pela Rua Augusta, desfaz o nó à gravata, ridiculariza-se a si próprio, quem diria que um dia daria por si a jogar, ainda mais para agradar a alguém, vai a rir-se de si para si, a nuvem a esfumar-se. Quando chega ao arco já se sente o Pereira a caminhar decidido e leve por entre os transeuntes rumo ao rio em cenário de fundo. Sente compaixão por uma rapariga bonita com a pele da cara arruinada, observa um velhinho meditativo junto ao Caís das Colunas. Apercebe-se que não é neura que sente, é afinal um alívio de proporções épicas.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES