Uma bóia no pântano – um texto inteligente do Pedro Correia no Albergue Espanhol.
Sinto-me mal. Borboletas nas entranhas, um ferro espetado da têmpora ao ouvido. Um zumbido constante, uma música sinistra nas veias azuis fininhas dos pulsos. É o veneno a actuar. Sento-me à mesa e obrigo o corpo a funcionar. Entrada, álcool, bife, cafés. Olear a maquinaria. Dizes-me com ar carrancudo que não posso falar da minha geração, tenho que falar por mim, um indivíduo apenas, uno. Eu, com o organismo único desfeito em partículas ácidas, reafirmo que a minha geração chegou ao poder. Esta semana estão todos zangados, a ser despedidos ou a caminho da prisão, um festim. É mesmo caso para falar de geração, é uma identificação clara. Não percebes nem o meu ponto de vista nem a ironia e, como um quadro vivo, o ex-assessor na travessia do deserto senta-se na mesa ao lado. Não digo nada mas olho para o camelo e vejo o miserável estado da nação. Nos jornais pendurados na parede do café está a geração na primeira página a caminho do cadafalso. Toma lá estas fotografias tão bonitas, que eu não posso falar senão vomito. No espelho da casa de banho confirmo se as olheiras estão no sítio, se hoje os ossos estão mais à mostra. Tudo como esperado, saio mais descansado. Queres ir beber champanhe e eu prefiro ir comprar livros e ruminar o veneno a andar na rua gélida. Na livraria roubas-me um beijo na fila da caixa e eu sinto-me infantil. Que não, não, não posso finalizar as coisas assim, tenho de reescrever a história. Não é esse o fim, dizes-me, mais uma vez. E eu, envenenado até à tíbia, não tenho palavras que cheguem para a evidência de certas frases. Há pensamentos que são cicuta.
No mesmo dia em que fui expulso pela primeira vez de um grupo de amigos no FaceBook, o Vasco Graça Moura expulsou-me de uma mesa. Estou contente, sinto que estou a ir no bom caminho
A "Central" do Governo editorial de Eduardo Dâmaso no CM.
Está meio mundo a escrever contra os "bufos", a outra metade indignada por o artigo expor o que toda a gente já estava careca de saber: há propaganda e da boa nos blogues, há pessoas que recebem por isso, leia-se pagos pelo Estado e utilizando meios informáticos do mesmo e informação privilegiada. E, sim, tudo dos bolsos dos contribuintes. Há alguém que não consiga nomear os Abrantes a operar na blogosfera? A questão é, qual é o conteúdo dos emails trocados? Espero que sejam publicados para podermos averiguar de que grau de propaganda estamos a falar. Sobre isso ainda não vi ninguém escrever hoje, com muita pena minha, gosto tanto do formato pergunta-resposta.
"Compreenderás que a real identidade das pessoas [que fazem o Câmara Corporativa] é protegida por motivos de segurança e da própria viabilidade do projecto. É, aliás, extraordinário que passado este tempo todo ainda não se saiba quem o Miguel Abrantes é, o que mostra que o cuidade que existe tem resultado. (...) O Câmara Corporativa é feito por várias pessoas que contribuem com regularidade variada. O Miguel Abrantes é o... Miguel Abrantes. E depois há outras pessoas." Excerto de um e-mail de Hugo Mendes, assessor de Almeida Ribeiro, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, divulgado ontem no CM
E, já agora, o post do dia aqui.
Esta noite enquanto oscilava entre este mundo e o outro no meu sono pouco profundo, tu vagueavas pela casa acordado na tua ronda de vigília aos problemas do mundo. Aproximaste-te da cama com um livro na mão e disseste. Não estás a ver a solução porque estás demasiado próximo da história. Tu sabes que o arquivo não tem salvação, deixa-o ir, há-de ser consumido no incêndio. Tens de ir à praça novamente. Volta à igreja de São Domingos, é ali que está o final que procuras. O homem espera por ti à porta. Já sabes o que tens de escrever. Salva o homem e o miúdo. Precisas de colocar corpos no incêndio no vosso lugar para que possam partir em paz. Depois ficaste em silêncio à espera que adormecesse. Quando acordei recordei com nitidez as tuas palavras enviadas de tão longe, um oceano de distância, e caminhei pela cidade em direcção à igreja.
Desde que o nevoeiro da manhã de 16 de Fevereiro se dissipou ele ficou ali, de casco para cima, à espera de ser rebocado, desmantelado ou fotografado. Acabou por sair do rio em Dezembro de 1983. Lisboa perdia um símbolo e as gaivotas perdiam um poiso, mas ganhava-se um Tejo mais navegável e seguro. Os lisboetas recordam-no com carinho. E não o deixam ir ao fundo. Jornal i
A providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares ao jornal Sol é uma forma de censura prévia e inconstitucional segundo alguns peritos na matéria. Em nenhum país democrático o segredo profissional ou o bom nome do primeiro-ministro ou de outra pessoa qualquer se podem sobrepor aos pilares fundamentais do Estado de Direito, como a liberdade de expressão e o direito à informação. Se a decisão é violadora dos direitos fundamentais logo o jornal pode evocar a Constituição e publicar as escutas. Se o caso foi arquivado, a publicação das escutas não interfere com nenhuma investigação em curso e sendo assim prevalece o interesse publico – está em causa se houve ou não uma tentativa pelo primeiro-ministro de controlar os meios de comunicação. Em trinta anos o caso do Sol é a primeira tentativa de impedir a saída para as bancas de um jornal. Tirando os casos ocorridos nos conturbados anos 70, só são conhecidos dois. Em 1989 a revista Semana Ilustrada foi alvo de uma providência cautelar aquando da divulgação das imagens pornográficas do Tomás Taveira. O segundo caso aconteceu com o jornal O Diabo de Vera Lagoa suspenso ao segundo número por chamar "muito feio" (!) a Costa Gomes. Ironicamente, para contornar a questão o jornal O Diabo mudou o nome para Sol.
Não tenho amigos. Ninguém enviou uma mensagem para o meu telemóvel. Nenhum email na caixa do correio. Nem um convite para a página do Facebook. Sinto-me sozinho e excluído. O manifesto Pró Socrates não gosta de mim. E eu que até gosto de manifestações. Também gosto da Alameda quando o repuxo está a funcionar. E não sou daqueles que assina petições e depois não aparece, quando há uns tempos recebi um sms fui a Belém gritar palavras de ordem contra o Santana. Talvez fale disto com o meu psiquiatra. Ele diz que por vezes tenho dificuldades em aceitar a realidade.
A noite de Verão era quente como recordo todas as noites da minha infância. A feira estava cheia de algodão doce cor-de-rosa, carrosséis e montanhas russas com gritos. A barraca do tiro ao alvo que tinha ursos de peluche como prémio. O comboio fantasma, as maças doces e as ciganas. E havia o gigante. Um cartaz pintado à mão anunciava-o como a grande estrela da noite. Havia filas e filas de pessoas para o ver, compro o bilhete, espero no meio da multidão. Finalmente entro na barraca de chão de terra batida nas minhas minúsculas sandálias de plástico. Está cheia, quente e mal iluminada, é preciso ser paciente. Um freak show não acontece todos os dias. Quando finalmente vejo o gigante, ele está sentado dentro de uma pequena casinha. Eu vejo um corpo descomunal, dez de mim, camisa branca, as mãos colossais cruzadas no colo e fico petrificado na desproporção daquele momento. As pessoas empurram-me, falam do gigante como se ele não ouvisse, metem a cabeça dentro da barraca para lhe ver a cara, apertam-lhe a mão, trinta e cinco centímetros de passoubem, e eu aterrorizado sem sair do mesmo sítio. E tenho tanta, tanta pena do gigante que me apetece chorar. Saio da feira com o coração anão. Nunca lhe vi a cara.
Setembro de 1989 - A queda do gigante
Rui Ochôa, Jornal Expresso, 3 de Outubro de 2009
Chamava-se Gabriel Mondlane, media 2,65 metros, pesava mais de 180 quilos, e era considerado o homem mais alto do mundo, fazendo parte do Livro de Recordes do Guinness. O gigante de Moçambique, como era conhecido, veio pela primeira vez a Portugal em 1969, causando grande alvoroço e curiosidade: em circos ou eventos privados, Gabriel era exibido pelo país como coisa rara e insólita, tendo viajado por todo o mundo. Regressou a Moçambique após a independência da antiga colónia. Por cá, as coisas não lhe correram de feição e rareavam os espectáculos. Casou-se e teve três filhos, vivendo do que lhe dava o restaurante que criara com o dinheiro (pouco) ganho com as exibições. Voltou uma segunda vez a Portugal, em 1979, mas o infortúnio perseguia-o: no Coliseu de Lisboa deu uma queda ao tentar subir as escadas, o que lhe provocou danos graves numa perna e a necessidade de um implante que foi fazer na África do Sul. Regressou pela última vez a Lisboa em Setembro de 1989, alvo da mesma curiosidade de sempre e vítima dos mesmos interesses que o faziam deslocar-se penosamente pelo mundo. Uma nova queda, em Janeiro de 1990, no quintal da sua casa em Mandlakazi, a sua terra natal, foi-lhe fatal: fez um grave traumatismo craniano, do qual não recuperou, e morreu no Hospital de Maputo com apenas 45 anos.
Fotografia retirada do Estado Sentido.
SMS convoca socialistas para manifestação de apoio a Sócrates na Alameda da Fonte Luminosa, no Público de hoje.
Passou pela janela e desviou o olhar para a cidade, acto irreflectido, virou o pescoço para a esquerda, podia ter sido para o lado contrário. Estancou o passo e aproximou-se da janela devagar. Viu a grua imponente, como uma aparição, um monstro de metal a violar o skyline da cidade. As copas das árvores não lhe permitiam localizar o local exacto onde tinha sido erguida durante a noite. Pensou que era o sinal, já pouco devia faltar. Passou o resto da noite a empacotar coisas, a rasgar papéis, a queimar objectos. Tirou as armas escondidas debaixo das tábuas de madeira do soalho. Arrastou com esforço os bidões de gasolina da arrecadação. No dia seguinte a casa era só uma memória.
Para preparar o amanhã é necessário descodificar definitivamente o passado.
Lembram-se do jornal Sol? Aquele que quando começou ninguém levava a sério? Que dizia que haveria de superar o Expresso e parecia uma piada? Pois o Sol, esse mesmo, está a deitar abaixo o Governo.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES