Um quiosque na Marinha Grande está a vender o semanário Sol em fotocópias, uma medida tomada para responder à grande procura que o jornal está a ter em todos os quiosques da região de Leiria, onde se encontra praticamente esgotado. No jornal i.
É por causa de textos deste calibre que eu penso que é uma urgência nacional a Isabela Figueiredo lançar outro livro. Ouviu, Sr. Simões?
I.
Afazeres vários obrigaram-me a adiar para hoje o relato dos lançamentos de quarta-feira à noite. Casa de partida: lançamento do livro Aula de Poesia do Eduardo Pitta na Fnac. Excelente apresentação do Pedro Mexia, concisa e interessante, revelando que fez o trabalho de casa. A sala não estava a abarrotar mas esteve bem frequentada. Marcaram presença várias jugulares, caras conhecidas do mundo literário, bloggers anónimos-famosos, etc. Infelizmente embirro solenemente com o auditório/café da Fnac do Chiado. Muito barulho, muita distracção e aquela sensação deprimente de estar num centro comercial apesar de tudo. Este livro merecia melhor sítio para a apresentação (e hora também, que 18h30 é cedíssimo para quem labuta). Quanto ao livro propriamente não posso tecer comentários por agora, vai ser a minha leitura este fim-de-semana.
II.
Avanço uma casa e sigo para o Museu de Arte Antiga para o lançamento do valter hugo mãe - A máquina de fazer espanhóis (grande título). Logo à entrada do museu era distribuído um mapa com o percurso a realizar durante a noite. No hall do museu estava um barbeiro à antiga, cadeira e objectos vintage a condizer, para quem tivesse coragem de dar a carinha laroca à navalha. Eu lancei-me logo à cadeira. Para além da navalhada nas bochechas era possível falar com o autor, lá andava ele a cirandar pelo hall com ar cândido. A apresentação foi entregue a Lobo Antunes, milagre raro, ter aceitado o convite, ele que ganhou esta segunda-feira o Prémio de Melhor Ficção Narrativa, área de literatura, da SPA e enviou o Vitorino receber o dito e declamar um poema ao Sócrates. O ponto alto da apresentação foi o valter declarar que desejava viver com o Lobo Antunes, coisa difícil de explicar a quem não assistiu a isto ao vivo. Auditório à cunha, excelente trabalho da editora Objectiva. É refrescante ver pessoas tão entusiasmadas com a literatura como o editor, já tinha ficado com essa impressão há uns meses atrás no lançamento do livro de Medina Carreira e Eduardo Dâmaso. Depois da apresentação fomos convidados a visitar a exposição de objectos vários – de cds a desenhos – intimamente ligados à história do livro e ao autor. A noite finalizou com uma visita à colecção do museu com o privilégio de uma pequena palestra do Anísio Franco aos Painéis de São Vicente.
No balcão dos CTT a despachar umas cartas e à conversa com o funcionário.
Ele: Então, não quer aproveitar para levar uma prenda para o Dia de São Valentim?
Eu: Nem pensar, abomino esse dia.
Ele: Não me diga. É apenas um pretexto para trocar prendas...
Eu: Precisamente, é o consumismo associado à data que não gosto.
Ele: O Dia de São Valentim é quando o homem quiser.
Eu: Que horror.
Ele: Tenho a certeza que gosta de receber prendas... E se lhe oferecesse um Mercedes?
Eu: Hum, não, não me convence. Só se fosse um BMW.
Ele: Vê? Eu tinha razão. Não há ninguém que não goste de prendas.
A desilusão é uma coisa em formato estranho que nos atinge sem sabermos como e nos dias que correm já nem a pop nos salva. Um dia estamos prenhos de esperança e acreditamos em tanta coisa e estamos dispostos a muitas mais. Depois percebemos que afinal o melhor é verificar o sinónimo da palavra decepção no dicionário, que isto das palavras tem muitas nuaces. A salvação é apagar números de telemóvel, mensagens e emails e praticar tiro ao alvo com pratos da cozinha porque não é saudável não descarregar a raiva. Dá azia e soluços, não é bonito. Depois é apagar as memórias todas sem piedade. Mas esquecer não significa perdoar, as grandes ideias católicas nunca surtiram grande efeito em mim.
O que a minha grande liberdade de expressão pensa do encontro em frente à Assembleia que ocorreu hoje é que é mais uma manifestação do trampolim da tasca. Há alguém que não concorde com o conteúdo do manifesto? Se sim, é porque não lhe agrada viver em democracia com certeza. O problema é quando começa o chifrim das comadres. É de fugir. Eu não fui. Não tinha roupa branca e não quis passar vergonhas.
– Ó senhor Barqueiro, deixe-me passar, tenho filhos pequeninos, não os posso sustentar...
– Passará, passará, mas algum deixará, se não for a mãe da frente é o filho lá de trás...
Lembram-se de andarmos todos a cantarolar isto? A infância era um lugar tão bonito. Hoje ficamos horrorizados com as letras que cantávamos alegremente e sem consciência nos recreios da nossa infância. Mãe desesperada, com filhos pequenos e sem sustento, implora a barqueiro mau como as cobras para passar o rio e o estapor responde que não há problema, há é um preço a pagar – a mãe ou um filho ficam para trás... Isto assim dito (cantado atenua um bocado o efeito) parece tenebroso, mas reparem bem. A canção ensina algo inestimável para a nossa, na altura, vida futura. Às vezes as coisas correm mal, muito mal, tudo tem um preço e há a forte probabilidade de se esbarrar com um anormal numa altura crucial da nossa vida – a passagem do rio. A questão é: o que fazer ao anormal? Na canção não havia solução. Mais. Alguém se lembra do início da cantilena?
Que linda falua, que lá vem lá vem, é uma falua, que vem de Belém...
Pois é. No início é sempre tudo maravilhoso. A falua é linda e vem na nossa direcção. Embora só a indicação da proveniência da falua fosse factor, por si só, de alerta máximo. Mas na altura não sabíamos os perigos que podiam vir de Belém. E cantámos, cantámos alegremente até colocarmos gravatas no pescoço e descobrirmos que a vida é uma grandessíssima falua com um animal lá dentro.
Roubado à Joana Lopes.
"(...) Enquanto Cavaco deixava no ar a suspeita de ser vítima de vigilância do governo, no quarto do poder congeminava-se a neutralização dos jornalistas incómodos com objectivos partidários, usando os recursos do Estado. E tudo feito com a tranquilidade de ter no topo do sistema judicial um procurador-geral amigo e contemporizador. Daqui ninguém sai vivo."
Ana Sá Lopes, Jornal i
A propósito deste post, aqui está um belo exemplo do armamento bélico à solta no país. Desta vez não houve vítimas, só um carro que foi à vida e dois vidros num prédio. E isto tudo por amor, ou falta dele, com uma granada.
É um enigma os links para o Correio da Manhã nunca funcionarem. Aqui segue a notícia do post: Santarém: Explosão destrói dianteira de carro e fere condutor. Põe granada em carro para assassinar rival.
http://www.cmjornal.xl.pt
Vitorino recebe o Prémio de Melhor Ficção Narrativa, área de literatura, na gala da SPA em representação de Lobo Antunes e canta cantiga "receita para o défice" a Sócrates.
Engenheiro Sócrates / Hoje o almoço é tornedó / E depois / Vamos fazer ó-ó
A Letónia vendeu recentemente uma cidade inteira que foi usada como base militar soviética no passado. A cidade deserta, conhecida como Skrunda-1, foi vendida em leilão e arrematada por uma empresa russa, Aleksejevskoje-Serviss por US$ 3 milhões, cerca de dez vezes o preço esperado. A cidade inclui 45 hectares de terra, dez prédios de apartamentos, duas casas nocturnas, um shopping center, um jardim-de-infância, um circo de pulgas, um quartel e uma sauna. Situada a 150 km a oeste de Riga foi abandonada depois dos soldados russos abandonarem a Letónia, em 1994, depois da desintegração da União Soviética. Skrunda-1 era um povoado fechado, que não aparecia nos mapas soviéticos porque era usado como base para radares antimísseis. A base foi demolida no final da década de 90. Foi depois da demolição da base que alguns dos habitantes recusaram-se a deixar a cidade e planearam novos edifícios no local. As construções só foram descobertas depois do leilão. No total foram descobertos 85 km de construção subterrânea com vários edifícios, estufas, uma clínica de fertilidade, uma biblioteca com dez pisos e uma universidade. A maioria dos habitantes continuou a agir como se estivesse em plena guerra fria criando para o caso de um eventual ataque cinco saídas subterrâneas para a floresta em redor. A população ascendia às 5500 pessoas e era auto-suficiente em termos de alimentos e energia. Parte delas desenvolveram um dialecto próprio recusando-se a falar a língua antiga. Por agora as notícias têm sido escassas sobre o futuro de Skunda-1.
O que trabalha de graça, o distribuidor, o reformado que gosta de golfe e outras nomeações curiosas.
Concentração em frente à Assembleia da República na próxima quinta-feira, 13h30, para manifestar o desagrado à apatia e a inacção face ao condicionamento da liberdade de informação. Vista-se de noiva. Creme ou pérola também serve. Associe-se ao movimento aqui e confirme a sua presença aqui.
Uma pessoa tem quase 1000 amigos no facebook, relações cordiais e de amizade com os vizinhos, amigos de há vinte anos, e logo de manhãzinha, segunda-feira para mais, ainda só com um café no bucho, contam-nos a história do Hipólito. O Hipólito que escrevia como veludo e tinha um nível de popularidade altíssima no bairro. Um dia morreu e durante duas semanas ninguém deu por isso. Já tenho um amigo no FB que prometeu que se eu não aparecer durante dias a fio dá o alerta, mas eu penso que talvez isso seja insuficiente. O melhor é deixar de escrever não vá o diabo tecê-las.
I. O Circo
Passamos pelo pátio cheio de ruidosos convivas, contornamos a grande tenda e descemos à cave que parece um poço grande. Cumprimento a dj sereia, percorro o espaço com o olhar. Bar ao fundo, mesas e cadeiras e pessoas a estrangularem-se com álcool, estantes com livros e segredos e uma espécie de tanque estranho de pedra que não descodifico para o que serviu em tempos. Fazemos do tanque poleiro para a conversa e falamos da guerra, do fiscal Freitas, de projectos, do futuro, e principalmente da nossa consternação e desilusão perante o presente. Da impotência perante as circunstâncias. Dissecamos o estranho momento – enquanto a rapariga que finge não perceber que não desperta interesse envia mais uma mensagem para o telemóvel, enquanto o homem que afinal nada tinha para dar fugiu em direcção ao inferno – e decretamos que assim não vale a pena viver. Pedimos o cardápio e encomendamos alguns malabaristas, dois cuspidores de fogo, cinco bailarinas de can can, um domador e três leões. Temos de fazer amigos novos e esta noite parece-me um bom começo.
II. O Acidente
Atravessamos a cidade, percorremos a grande praça e esperamos pela luz verde a caminho do cinema. Tu falas, e eu olho para ti e para a avenida e para o trânsito e o carro que passa por nós que não vai conseguir parar. Eu não tenho tempo nem mais acção do que segurar o teu braço quando o grande estrondo acontece. Os dois carros enfaixados numa relação esquizofrénica e desigual de culpas. Esquecemos tudo o que dissemos e ficamos a olhar para os animais feridos, a chapa a gemer, os motores ainda quentes. Ficaste com uma dor de cabeça monumental e eu a pensar que é tão fácil morrer. Disseste-me, quando tudo o que tinha dentro de mim era água, que sempre pensaras que era de aço inox e tive vontade de te mostrar isto – o acidente na avenida, a chapa paralítica, os destroços que ficam depois do choque. O que é aço inox no momento seguinte pode ser papel manteiga. Nada é imutável.
À hora marcada tu não estás. Decido ir ao café da praça comprar tabaco para fazer tempo. Desespero pela milionésima vez com o sistema anti-fedelhos da máquina infernal. Volto à praça aos pontapés sicronizados às minúsculas pedras de cascalho. Tenho tantas coisas urgentes para dizer e tu nunca mais chegas. O sono dos domingos de manhã. Ensaio as palavras, mastigo-as na boca para perceber a sua espessura. Peso-as para auferir do seu grau de sensibilidade. Acendo um cigarro e desejo que sejas tu a virar a esquina. Espero.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES