Quarta-feira, 31 de Março de 2010

A felicidade é um carro descontrolado passar um vermelho na avenida e nós conseguirmos travar a tempo.



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Terça-feira, 30 de Março de 2010

A vida é uma eterna operação stop.



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Segunda-feira, 29 de Março de 2010

 

Um miserável conjunto de duas vozes, um telefonema e um grande acaso. Pensamos que já nada nos toca, que a arte de esquecer é a nossa capa, que longe da vista longe da obsessão e depois isto. Um telefonema e volta tudo, os anos galgam quatro países, revolvem as entranhas da memória e volta tudo, tudo, como se nem um dia tivesse passado. Desligo o telefone e penso que esquecer-te é apenas uma alegoria em mim.



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Domingo, 28 de Março de 2010

Fotografia roubada no Lisboa Antiga

 

Qual é a sua esquina preferida na cidade? Esqueça a conotação sexual, isso é consigo. A mim só me interessa a estética arquitectónica, as histórias improváveis, a beleza do sítio ou a sua confidência. Não se iniba e revele segredos para o email umhomemnacidade@gmail.com. As esquinas da cidade vão ser o primeiro tema de uma série de textos sobre Lisboa, mais novidades em breve.



publicado por afonso ferreira às 18:44 | link do post | comentar | ver comentários (1)

 

Ou é da primavera ou dos comprimidos que ando a tomar mas nunca o ar esteve tão grávido de possibilidades.



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Sábado, 27 de Março de 2010

O tiroteio

 

I.

Os excessos de euforia podem trazer tantos problemas ou mais do que os estados melancólicos. Um mergulho numa festa frenética regada a álcool e muitos disparates na pista de dança podem conduzir a uma operação stop. O que pensamos de madrugada numa avenida atafulhada de polícias e bêbados pode ser muito estimulante. Depois de namorarmos com a maquina e ela devolver-nos a afeição em números elevados resta-nos esperar pela sentença. 

 

II.

Podemos optar por aceitar que a leitura está correcta, que é a percentagem de veneno que nos corre nas veias e colocar a cabeça no cepo sem grande alarido. Podemos contestar, dizer que as máquinas também são humanas, não acreditar termos bebido tanto, ir ao hospital fazer umas análises e dar um passeio ao tribunal para dizer de nossa justiça. Faço um cálculo rápido, apressado por três pares de olhos policiais interrogativos e volto à adolescência. Aos anos que andei a conduzir sem carta, às bebedeiras a dar ao acelerador, à vez em que parti o separador central da ponte 25 de Abril. Olho novamente para o valor da multa e parece-me afinal um preço justo. Até parece-me pouco para a quantidade de disparates no currículo nunca punidos. Passem-me para cá a coima e não falamos mais disto.

 

III.

A burocracia precisa de tempo para funcionar de forma eficiente. Vou fumar cigarros para a viatura com vista para a ilegalidade fora-de-horas. E depois recordo-me do sonho da noite anterior. Estava no meu carro, era de noite e na rua a confusão instala-se, alguém tem uma arma na mão, dispara. Ouvem-se dois tiros, perfuram a chapa do carro e instalam-se no meu corpo. Um na perna, outro no peito. Digo aos meus companheiros que fui atingido e tenho de lhes mostrar as balas para perceberem que é verdade. Balas pequenas de metal brilhante cravadas no meu organismo sem uma única gota de sangue à mostra. Olho para a avenida, para os polícias, os carros a parar, os bêbados e percebo que estou a viver o sonho. Quando um carro suspeito é mandado parar à frente do meu, começo a sentir o início do ataque de pânico, um sabor metálico na boca.



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Sexta-feira, 26 de Março de 2010

Alguém acaba de assumir novo cargo, é uma inundação de louvores em seu favor que sobe dos paços e capelas, ganha a escadaria, as salas, a galeria, todo o prédio: têm-se os ouvidos cheios; não se agüenta mais.



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Quarta-feira, 24 de Março de 2010

 

A memória é um labirinto. Olho para o espelho e não recordo a cara que tinha aos trinta anos. Diz ela com as mãos rugosas e manchadas, o cabelo branco bem arranjado apanhado no alto da cabeça deixando vislumbrar o pescoço alvo. Diz-me ela, lúcida, os olhos a adivinhar memórias, e eu não digo nada, fico em silêncio a pensar se o meu futuro é esquecer a cara que tinha.



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Terça-feira, 23 de Março de 2010

 

Sem já saber como matar o tempo, saio do café e fecho-me no carro a fumar cigarros a olhar para o jardim e o rio. Bato o pé e tenho de refrear a vontade de acender um cigarro no anterior. Este paraíso de verde e pássaros e água azul no começo da primavera é inadequado à minha tempestade. Pego no telefone várias vezes mas decido não ligar. Quero prolongar o prazer que antecede falar contigo. Hoje é o início de qualquer coisa tenho o sangue em combustão a chiar nas artérias. Neste aquário de vidro de quatro rodas tudo parece desfocado, o grand noir a passear o velho dono, as copas das árvores enterradas no solo, as raízes a abanarem na brisa leve, 22 bolas e um miúdo em campo. Quando não estás a loucura instala-se em mim, tenho de a domesticar como o domador de leões no circo a rezar para não ficar sem cabeça. Está na hora, fumo o último cigarro. Que fazemos, eu e o tempo, juntos nesta eternidade de dia?



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Segunda-feira, 22 de Março de 2010

"(...) Eva convenceu-se que sim, fomos felizes nos primeiros tempos, afirma, e é só nisso que quer acreditar, às vezes desculpa-se, a felicidade nunca é o que se imagina, fomos felizes só que a felicidade não se descreve, não se toca, não se vê, claro que se esquece dos pequenos gestos em que a felicidade tem por hábito denunciar-se, flores compradas num sábado de manhã, uma caixa de bolos presa por um cordel no domingo à tarde, nunca fizeram isso, não foram felizes nem na pequena medida com que a felicidade contenta os que dela precisam, apesar de Eva dizer que sim, se calhar por se ter esforçado muito. Eva esforçou-se muito em tudo, trabalhava de noite e dia, ele andou por muitos empregos mas a maior parte do tempo estava em casa, fechava as janelas e deixava-se ficar protegido dos outros, por ingenuidade pensava que os podia enganar desta maneira, ainda era um aprendiz da arte que veio a ter, ter outras vidas é um trabalho que exige experiência, quando saía à rua as vizinhas cochichavam, não faz nada, nunca vi tanta preguiça, a coitadinha merecia bem melhor mas quem corre por gosto não cansa, o dono do café olhava-o enojado, um homem não se deixa sustentar pela mulher, foi o agouro dos olhos da mãe que os perdeu, no tempo que passava em casa podia ter feito o jantar, ter escrito amo-te no armário da casa de banho, ter comprado um ramo de flores, podia ter feito tantas coisas que aliviassem o cansaço, que a compensassem da má escolha, mas deixava-se sempre ficar a ver televisão , deitava-se no sofá e lia revistas aos quadradinhos, comia bolachas de água e sal, Eva apesar de tudo enternecia-se, pareces um miúdo, nunca soube que demorava-se a tomar banho, a barbear-se, detinha-se em qualquer coisa, conhecia perfeitamente os passos dos vizinhos de cima, sabia a quem correspondiam, à mãe, ao pai, a cada um dos filhos, é difícil reconhecer os passos de cinco pessoas, são precisos muitos dias atentos, e depois havia outras coisas, por exemplo, as nódoas na alcatifa, ordenava-as por tamanhos, antiguidade e origem, também sabia as horas a que o sol batia na jarra de vidro martelado, dias inteiros fechado à espera que Eva voltasse"

 

Campo de Sangue, Dulce Maria Cardoso



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Domingo, 21 de Março de 2010

 

O amor é cego e cego é o doente de amor.



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Sábado, 20 de Março de 2010

 

Podia ter escolhido a cadeira virada para a janela, os eléctricos e o rio, mas optei por almoçar com vista para eles. Ambos na casa dos 70, ele completamente calvo, a cabeça a reluzir, ela de cabelo curto grisalho. Almoçam serenamente, ele um peixe, ela algo que não decifro. Espreito por cima do jornal, não dão por mim. Sempre gostei de velhotes, quando era miúdo preferia ficar a ouvi-los do que a jogar à bola. Conversam casualmente, do tempo, do compromisso que têm a seguir, de um amigo em comum em que divergem na opinião formada. Têm bom gosto, reparo nos óculos de metal dele, nos brincos de pérola e nas unhas pintadas dela. Apetece-me meter conversa mas acabo por remeter-me ao silêncio. Tento perceber se são um casal, se familiares, talvez irmão e irmã, talvez apenas amigos. Divirto-me secretamente a imaginar que foram amantes quando eram novos. Uma relação clandestina nunca assumida e que agora, no fim da vida, reencontraram-se. Gosto da forma como ele pede um pudim flan ao empregado, aprecio a forma elegante de ela mexer o açúcar no café. Quando os dois decidem palitar os dentes em simultâneo não me restam dúvidas. São um casal.



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Estava tudo muito bem e depois a casa morreu. Primeiro as luzes e os aquecedores, o computador continuou a cantarolar mais uns segundos até finar também. Uma morte silenciosa sem o estrondo no quadro eléctrico, habitual nas casas antigas com instalações inadequadas à tecnologia frenética actual. A pensar que faltava o estoiro, abri a caixa do contador e estava tudo muito bem como um relógio congelado a mostrar a hora exacta da catástrofe. Raios que não paguei a conta da luz. Uma ida à loja do cidadão e uns telefonemas depois verificou-se que não sou um desmazelado e de madrugada mando vir o piquete de urgência.

Uma casa morta é uma coisa muito triste sem o barulho de animal zangado do frigorífico, o mostrador das horas na box, a infinidade de coisas banais que são invisíveis excepto quando falham. Portanto, temos velas e a única coisa que nos ocorre fazer até vir o piquete é ler. O piquete que há-de chegar e ter uma longa conversa sobre a confusão que lhe provoca o espaço temporal intermédio, entre uma coisa e outra. Por exemplo, o velho teatro romano, o que aconteceu entre o tempo em que foi construído e o presente, Mas quem é que enterrou aquilo?, pergunta ele no alto do escadote com o fusível na mão que chama de boneco. Mas por agora o piquete ainda não chegou e há que ocupar o tempo.

E aqui começa o problema, olhamos para a pilha de letras e temos de eleger um livro compatível com a situação adversa que estamos a viver. O teste da vela é importantíssimo como indicador da qualidade da prosa tal como o algodão branco no soalho. A quantidade de velas também é um factor fulcral na avaliação final. Depois de muito hesitar escolho um para companhia.

Cumpre-me comunicar que Campo de Sangue de Dulce Maria Cardoso passou com distinção, uma hora e meia com a luz tremelicante de três velas, e só não continuei o teste porque a palavra fim acendeu.



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Quinta-feira, 18 de Março de 2010

...há dez anos e o motivo para ter desobedecido à ordem era por si só já suficientemente grave – excesso de álcool. À luz dos últimos acontecimentos não deixo de ponderar se merecia ter levado um tiro ou se seria suficiente cumprir a pena correspondente ao acto de crime por desobediência. A julgar pela maioria dos 436 comentários a este post no Jugular, já estaria a passar férias no inferno há uma década. 



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A Renault Express não chegou. Foi preciso uma Ford Transit - com uma bagageira que consegue transportar quatro pessoas deitadas - para Antero Braga, ex-administrador da Bertrand, recuperar os livros que o professor disfarçado de cliente fiel lhe roubara durante vinte anos. Um mês depois de a livraria do Chiado ter instalado o sistema de alarmes, à passagem do insuspeito professor da Escola de Belas Artes, com conta corrente na loja, o alarme disparou. Mal sabia Antero Braga que acabaria por ganhar o dia: quando a carrinha estacionou à porta, carregada com mais de mil livros roubados, percebeu que tinha recuperado o dinheiro investido nos alarmes. Jornal i



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Quarta-feira, 17 de Março de 2010

 

O mafioso italiano Pasquale Manfredi, um dos mais perigosos no seu país, foi detido. Este magnífico desfecho deveu-se a ter criado uma página no Facebook com o prosaico nome de Scarface. De uma assentada arrastou para a lama a nossa ideia cinéfila de ganster e demonstrou o perigo da vida online.

Sempre defendi que as redes sociais são apenas um reflexo da realidade. Entrar no Facebook é o mesmo que ir a um bar: podemos encontrar uns amigos e ter conversas estimulantes, levar com um alcoólico de vez em quando e com sorte conhecer alguém interessante. Tal como numa saída nocturna, beber um copo não faz mal, há até quem defenda que um copo de vinho tinto faz bem ao coração, mas o excesso pode provocar cirrose. Há muitas pessoas a alertar para os perigos das redes sociais mas só esta semana fiquei convencido que o inferno pode adquirir muitas formas. 

Há uns meses fui aliciado para entrar numa rede social por um amigo. Registei-me mas nunca frequentei a rede. Esta semana recebi uma mensagem pessoal misteriosa com um link. Não resisti a entrar. Em meia hora fui assediado 64 vezes por chat e mensagens. A maior parte dos contactos eram inócuos – Olá, Queres teclar? Queres ser meu amigo? –, outro foi de tal forma ofensiva em termos de conteúdo sexual que a minha educação não me permite reproduzir e apenas um chamou-me a atenção. O texto era bem escrito e demonstrava uma pessoa bem formada. As fotos, como dizer, eram muito apelativas. E ainda rematava com informações pessoais para que pudesse confirmar que não estava a lidar com uma descontrolada qualquer. Resolvi responder e assim dar razão ao Miguel Sousa Tavares, há um mundo de engate desvairado nas redes sociais.

No dia seguinte, a tentar domar a insónia, ligo a televisão e assisto a uma entrevista a um palhaço, dos verdadeiros, com nariz vermelho e sapatos de meio metro. Quando já estava quase a mudar de canal porque o palhaço tinha tudo menos piada, ele disse umas palavras mágicas. Duas palavras apenas, o nome de uma pessoa. Fiquei a pensar se não seria um amigo da minha adolescência. Lembrei-me de fazer uma busca no Facebook e encontrei a pessoa que procurava à primeira tentativa. Deus fala certo pelos palhaços errados.

Daí a ter encontrado outras pessoas que perdi o rasto há quase duas décadas foi um instante. Fiquei a saber que o amor da minha adolescência tem cabelos brancos e é contabilista. Que uma das minhas melhores amigas, de boas famílias e sempre empertigada vestida de Ana Salazar, rendeu-se aos ácidos. Tive de ver várias fotos dela com orelhas de duende para confirmar que era a mesma pessoa. Não são só as redes sociais que fazem mal, os ácidos também. Soube que dois deles casaram, um morreu, vários emigraram, uma é médica, outra rendeu-se aos encantos do bondage. Vi fotografias antigas, vi recentes e mais estranho ainda foi ver uma fotografia tirada na antiga sala de estar da minha família. Li descontrolos de amizade e de amor, ódios antigos, recados dados. 

Finalmente depois de tantos anos na net abri a caixa de Pandora. Desliguei o portátil e fui beber um whisky para o terraço à espera do dia amanhecer.



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W. Robert Moore

 

I.

São poucas ruas, deve ser das freguesias mais pequenas de Lisboa, mas cabe o mundo inteiro no meu bairro. Temos o castelo, palacetes, igrejas, quartéis, prisões, xafaricas, miséria e uma vista incrível para o rio e o mundo. O meu bairro é como os balcãs, têm mais história do que aquela que consegue digerir. Acordo todos os dias a passos onde o meu pai morou muitos anos antes de eu ser gente. Um dia mostrou-me a janela do seu quarto quando era estudante. Não é uma janela qualquer, fica situada numa torre com ameias do quartel que foi desactivado recentemente. Por baixo da janela havia soldados armados e uma guerra amarga a decorrer ao longe enquanto ele destruía lentamente os olhos a estudar direito e a salvar a vida. No mesmo sítio ficaram alojados os pais e os avós de um amigo quando regressaram à metrópole depois do 25 de Abril. Neste quartel ficaram muitas famílias a viver durante anos a aguardar que a vida prosseguisse. Umas ruas abaixo, na prisão do Limoeiro, esteve o avó de outro amigo. Por razões políticas esteve nos calabouços mais tempo do que com a família. Hoje uma das netas é deputada. Durmo por cima de um teatro romano que ainda vai esperar muito tempo até ver a luz do dia. Passeio todos os dias pela história apagada, pelas ruas da antiga judiaria que viu massacres sem fim e a destruição de todas as suas sinagogas até não restar nenhuma. 

 

II. 

No meu bairro não existem edifícios novos, os mais recentes datam dos anos 40. O edificado oscila entre o preservado e a ruir, não há meio termo. Todos os edifícios, todas as ruas, todas as pedras têm uma patine única. Há segredos escondidos em todo o lado. Atrás de fachadas sem interesse, que mais muros parecem sem janelas para a rua, escondem-se pátios e escadarias ornamentados com flores. No armário das especiarias do restaurante onde vou todos os dias esconde-se a porta por onde o Marquês de Pombal emergia dos túneis subterrâneos para passar as noites com a amante no convento. A minha rua é a representação perfeita que persiste da sociedade portuguesa. Começa no castelo, morada de reis, continua com os palacetes com piscina e jardim, prolonga-se nas casas com preço proibitivo da classe média-alta com vista desafogada para o rio e cozinhas design, desliza pelas casas com história morada de escritores e artistas com direito a placa comemorativa e finaliza na fiada de prédios de origem humilde. Como num filme antigo do Vasco Santana houve quem ensinasse ao cão dos prédios humildes a ir sozinho à rua. Abrem a porta do prédio e lá vai ele, todo contente e bem ensinado, rua acima defecar à zona dos ricos.

 

III.

O bairro é uma aldeia cheia de gente. Os palhaços malabaristas da escola circense, os estudantes de arquitectura, as filmagens, os artistas de rua, os soldados. Os futuros juízes a carregar as malas prenhas de livros, os namorados no banco do largo. Os turistas de todos os cantos do mundo a desfilar diferenças anatómicas, a soletrar o nome das ruas, a tentarem coincidir os nomes com os mapas, os turistas perdidos que encaminho todos os dias. A maior bebedeira que apanhei no bairro foi a beber gins com a minha vizinha de 70 anos. A minha vizinha que agora precisa de ajuda para poder sair. E como a vida é feita de ciclos preciosos, um dia destes em vez da ambulância à porta deparei-me com uma bola perfeita ligeiramente empinada em direcção ao céu. Vai nascer um bebé no meu prédio. Será a quinta criança a viver aqui e a contrariar a grande fuga para a periferia que esvazia a cidade de vida. 



publicado por afonso ferreira às 12:43 | link do post | comentar | ver comentários (13)

Terça-feira, 16 de Março de 2010

 



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