Terça-feira, 31 de Agosto de 2010

Pensar nunca fez mal a ninguém.



publicado por afonso ferreira às 23:56 | link do post | comentar | ver comentários (2)

 

Há um calor asfixiante na cidade e tanto por fazer. Olho para o calendário e parece-me demasiado curto o tempo. No chat enviam-me mensagens, há quem compre roupa a preparar a chegada da neve, e, no entanto, aqui estou, consternado a dar sapatadas indolentes na canícula. Esta na altura de sair. Debaixo do céu estrelado ajeitam-se as cadeiras para a sessão. O jardim está arranjado e sinto dificuldade em relembrar a tristeza poética da decadência de outrora. Foi para isto que andei a trabalhar nas eleições, é bonito, mas parece-me tão pouco. Olho para os aspersores, a relva a ser alimentada em jactos circulares, e calculo quantas arruadas saíram-me do pêlo. O filme inicia e portamo-nos todos bem, arrumadinhos nas cadeiras e ninguém atende o telefone nem acende cigarros. Somos crescidos e gostamos de cinema francês. Na película a mulher está confusa, uma desarrumação mental circular como a água a cair na relva. A vida é uma sucessão de aspersores e ficção nos intervalos. 



publicado por afonso ferreira às 04:44 | link do post | comentar

 

 



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Segunda-feira, 30 de Agosto de 2010

 

Acordei sobressaltado com o telefone a tocar. Atendi a tua chamada a disfarçar a insónia que assaltou a noite e só deu tréguas ao amanhecer. Estavas contente, a voz firme, a perderes-te em pormenores, quem te ouvisse não desconfiava que carregas a doença às costas. Desfilavas eventos e histórias e eu fingia estar desperto quando os sonhos ainda cavalgavam sobre a realidade. O ouvido aberto, os olhos fechados, o corpo adormecido. Estavas tão contente, eles tinham chegado à cidade e já os tinhas encontrado. Vieram visitar-te e sentaram-se a uma mesa a partilhar conversa e comida e agora só te importas com isto, é só a isto que chamas vida, o resto que vá à merda. Tu falavas, eu ouvia, e vindo do sonho a imagem surgiu. Os dois juntos na falésia, a criança ao lado, em baixo a cidade, ao fundo o mar. 



publicado por afonso ferreira às 23:35 | link do post | comentar

As acções de cada pessoa são boas ou más consoante a maneira como as outras as comentam.
Camilo Castelo Branco (1825-1890) in Taxi TV



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publicado por afonso ferreira às 16:34 | link do post | comentar

 

A ver se nos entendemos de uma vez por todas. Como já tive oportunidade de demonstrar algumas vezes no curto espaço de vida deste blog, provocações patéticas e ataques rasteiros esbarram num muro de silêncio. Nunca gostei de pessoas sem espinha dorsal, se querem brincar é melhor escolherem outro recreio.

 

Adenda: Já agora, antes de atacarem, certifiquem-se bem se as minhas palavras têm a vossa pessoa como destinatário. O mais certo é não terem. Nunca têm.

 




publicado por afonso ferreira às 01:23 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Domingo, 29 de Agosto de 2010

O que há em mim é sobretudo cansaço

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

 

Álvaro de Campos



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publicado por afonso ferreira às 15:51 | link do post | comentar | ver comentários (3)

 

Rua da Vitória, via Sorumbático.

 



publicado por afonso ferreira às 02:48 | link do post | comentar

Ao que se diz, Passos Coelho mora em Massamá. O facto pertence à mesma família de uma fotografia de José Sócrates, adolescente e com fato mal amanhado. Outra referência ainda mais antiga: as meias brancas nos tornozelos dos ministros dos primeiros governos cavaquistas. Minto, este último facto era diferente: o finório semanário Independente assumia-o para criticar a "falta de classe" da gente à volta de Cavaco. Como este acabou por viver mais tempo que o jornal, a pedantice social precaveu-se nas críticas que se seguiram. Ninguém chama suburbano a Passos Coelho ou provinciano a Sócrates abertamente. Quem traz os casos à baila limita-se a abanar com a morada de um e o fato de outro a ver se servem de isca. Como se fato e morada indiciassem um destino. Ferreira Fernandes, claro.



publicado por afonso ferreira às 02:28 | link do post | comentar

Ia escrever isto mas lembrei-me que já o tinha feito em tempos.

 

Decidir quando e como se cumprimenta ou não diz muito de nós. Há três motivos que levam a fingir que não se vê alguém e a passar ao largo: alguém insuportavelmente irritante para o qual não há pachorra e tentamos desta forma evitar um sofrimento, sermos míopes e não vermos um caracol ou cobardia social.




publicado por afonso ferreira às 01:15 | link do post | comentar

Sábado, 28 de Agosto de 2010



publicado por afonso ferreira às 03:43 | link do post | comentar

 

O piano morava na cidade longínqua numa sala com vista para os outros prédios. Eu nunca o visitei na casa dos pátios onde arrancavam todas as ervas que cresciam como se existisse horror ao verde, uma estranha perturbação à ordem estabelecida. Em vez disso foi o piano que viajou, terras e terras, e aportou na cidade, um velho resistente, pesado e maciço. Foram necessários quatro homens para o carregarem pelos andares antigos forrados a carpete vermelha subindo degrau a degrau. Pegaram-lhe a uma só força, como quem carrega um elefante, e subiram até ao céu sem o pousar uma única vez. Agora pela janela da nova sala vê três igrejas alinhadas a adornar a colina. Vê árvores e antenas nos telhados, o eléctrico, o vaivém da nova cidade. Quando entro no prédio ouço-o a deslizar pelo estuque, a encher a caixa de ar das escadas, a sair pela clarabóia do telhado, a soar nas canalizações dos vizinhos. 



publicado por afonso ferreira às 03:07 | link do post | comentar

Sexta-feira, 27 de Agosto de 2010

 

Se há uma característica que grassa na minha família é proclamarmos aos quatro ventos que vamos morrer e nunca morrermos. Ainda mal andava e já sabia que um dia iríamos todos finar. Ontem ligaste a dizer que teria de viajar, a matriarca mandou recado a dar a novidade que ia morrer e que tinha os ouros à minha espera. Eu ri-me e disse que os tesouros podiam esperar. Há trinta anos que ouço isto. Quando não gostavam de uma roupa em particular que envergasse era certo que me pediam para ao menos não usar isso no funeral. O funeral era aquela coisa que nunca acontecia mas que referíamos constantemente. Isso? Isso já não é para mim, que eu morro não tarda. Se é preferível ser cremado ou enterrado é uma dúvida recorrente nas conversas e mudamos de opinião consoante o ano. Agora, a maioria quer ser cremada. Mas pode ser que para o ano que vem estejamos a discutir qual é o cemitério mais bonito. O pedido vê lá se não esqueces isto quando eu morrer também é frequente e serve para tudo. Vê lá se não esqueces a chave que eu depois morro e já não posso abrir a porta. E depois continuamos todos vivos só para chatear. Por isso não estou a compreender o motivo para estar neste hospital a ver-te morrer aos bocadinhos. Como se não soubesses que isto é uma grande fita, uma maneira de viver. 



publicado por afonso ferreira às 18:22 | link do post | comentar | ver comentários (5)

 

Enviou-me uma mensagem em tom ligeiro a perguntar se andava pela cidade. Aceitou prontamente o meu convite para um copo ao fim do dia. Na esplanada pedimos uns whiskys, a pele a respirar finalmente com a brisa fresca vinda do rio. O meu amigo é pessoa de feitio apaziguado, mais de ouvir do que cair na tentação de preencher o ar com a sua pessoa. Quer saber como estou, quer ouvir-me falar, mas não me sinto para grandes conversas, ultimamente não tenho histórias muito alegres para contar e suspeito que o meu amigo não contactou-me por acaso. Mas, subitamente, dou por mim a contar a história das finanças e do fiscal que andava a ligar-me há umas semanas. Uma história verdadeiramente recambolesca que remota quase há uma década. Precisei de algum tempo para perceber a extensão da investigação e de que forma tinha chegado a mim, visto não ser eu o alvo nem em todo este tempo ter tido qualquer espécie de relação com o suspeito. A verdade é que o inspector precisava de ajuda. Estava num beco sem saída. Como num truque de magia senti-me a interpretar uma personagem dos romances do José Cardoso Pires. O inspector lagarto, já o via do outro lado do telefone a coçar a barba, a cinza a cair em cima dos papéis do dossier. Agora a melhor parte. O inspector não sabia, e ainda eu estou para descobrir que linhas misteriosas colocaram este homem a falar comigo, mas ligou talvez à única pessoa que realmente o poderia ajudar. Um pequeno documento antigo sem importância nenhuma com o meu nome e a partir daí começou a saga até encontrar-me. Todas as pessoas têm algo único e no meu caso é a memória. O que o inspector procurava em desespero e não sabia era uma memória que conseguisse juntar factos, histórias e caras.

 

O meu amigo está triste, não sei se já o disse. Trabalhou muito durante demasiado tempo e um dia percebeu consternado que era altura de mudar de direcção. Acumulou a dose suficiente de azares, cansaço e falta de reconhecimento para ter todos os elementos necessários para uma mudança verdadeiramente eficaz e desejada. Estava nesse impasse, a planear e a decidir o novo rumo, quando as coisas precipitaram-se no caminho oposto. Ao querer fugir dos compromissos acabou a comprometer-se com quem não devia, em vez de salvar-se decidiu resgatar quem não tinha salvação e quando devia colocar em prática a experiência adquirida cometeu erros com consequências catastróficas. Pior de tudo, decidiu que era no amor que talvez estivesse algumas respostas quando era certo ser a pior aposta. Adoeceu gravemente e passou umas férias no inferno. A recuperação foi feita lentamente, um dia de cada vez, noite após noite, e lentamente foi subindo a corda. Contou nessa altura com o apoio de pessoas em quem depositou confiança. Mas quando estava quase, quase a chegar ao cimo, os mesmos que o tinham puxado largaram a corda sem aviso. A segunda queda não foi bonita. Deixou mazelas, ossos partidos, escoriações. Desta vez parece não haver corda que o salve, a memória da queda não lhe permite continuar.

 

(cont.)

 




publicado por afonso ferreira às 04:29 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quinta-feira, 26 de Agosto de 2010

 

Enviado pelo Parece mal.



publicado por afonso ferreira às 14:22 | link do post | comentar | ver comentários (2)

 

Desde 2004 já foram realizadas despesas de 116 milhões de euros, uma taxa de execução de 68%. Mas os projectos e as entidades apoiadas não são públicos. A partir de 2011, as novas regras vão exigir mais transparência.



publicado por afonso ferreira às 14:17 | link do post | comentar

Quarta-feira, 25 de Agosto de 2010

 

Ontem à noite, no clube que frequento às terças-feiras, havia riçóis e uma senhora que partia o gelo das caipirinhas com um martelo.



publicado por afonso ferreira às 12:01 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Terça-feira, 24 de Agosto de 2010

 

Once someone has had a panic attack, for example, while driving, shopping in a crowded store, or riding in an elevator, he or she may develop irrational fears, called phobias about these situations and begin to avoid them. Eventually, the pattern of avoidance and level of anxiety about another attack may reach the point at which the mere idea of doing things that preceded the first panic attack triggers future panic attacks, resulting in the individual with panic disorder being unable to drive or even step out of the house. 



publicado por afonso ferreira às 13:33 | link do post | comentar

Diz-me a ordem dos canais na tua televisão e dir-te-ei quem és.

Da série pequenas descobertas domésticas.



publicado por afonso ferreira às 02:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)

 

Não valia a pena ter-se preocupado tanto. O sol havia acabado de sumir-se no oceano quando o homem que tinha um barco surgiu no extremo do cais. Trazia um embrulho na mão, porém vinha sozinho e cabisbaixo. A mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abrisse a boca para se inteirar de como lhe tinha corrido o resto do dia, ele disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinheiros, perguntou ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E tu, que lhes respondeste, Que o mar é sempre tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe, Tanta como a de ser tenebroso o mar, Neste momento, visto daqui, com aquela água cor de jade e o céu como um incêndio, de tenebroso não lhe encontro nada, É uma ilusão tua, também as ilhas às vezes parece que flutuam sobre as águas, e não é verdade, Que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver aqui, eu oferecia-me para lavar os barcos que vêm à doca, e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício, uma profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa. O incêndio do céu ia esmorecendo, a água arroxeou-se de repente, agora nem a mulher da limpeza duvidaria de que o mar é mesmo tenebroso, pelo menos a certas horas. Disse o homem, Deixemos as filosofias para o filósofo do rei, que para isso é que lhe pagam, agora vamos nós comer, mas a mulher não esteve de acordo, Primeiro, tens de ver o teu barco, só o conheces por fora, Que tal o encontraste, Há algumas bainhas das velas que estão a precisar de reforço, Desceste ao porão, encontraste água aberta, No fundo vê-se alguma, de mistura com o lastro, mas isso parece que é próprio, faz bem ao barco, Como foi que aprendeste essas coisas, Assim, Assim como, Como tu, quando disseste ao capitão do porto que aprenderias a navegar no mar, Ainda não estamos no mar, Mas já estamos na água, Sempre tive a idéia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o outro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu.

 

Conto da ilha desconhecida, José Saramago



publicado por afonso ferreira às 00:37 | link do post | comentar | ver comentários (1)

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