Para os muitos fãs da famosa série da CBS, a notícia é recebida em êxtase. Depois de muitos rumores ao longo dos anos, Dallas vai mesmo regressar e com o elenco original.
Recebi uma carta hoje onde é pedido que resuma o meu percurso em poucas linhas. Duas horas e três rascunhos depois rendo-me às evidências. A minha vida não cabe em linhas.
Dei a morada e encostei-me ao reflexo da cidade na janela. Que pensava eu de tão importante para não dar pela música? Nem pelo trá-lá-lá, nem por nada, para dizer a verdade. Quando regresso tenho o Fausto no rádio e o taxista a cantar a letra, baixinho em movimento sincopado com a condução. Nos intervalos assobia a acompanhar a melodia. Quando a música acaba, diz em forma de pergunta – E amanhã, temos chuvinha, hã?
São infinitas as versões de uma mentira, mas a reposição da verdade tem oportunidades quando menos se espera.
Passa de assunto a assunto com uma ligeireza surpreendente, a certa altura fala sobre as insónias. A dificuldade em confrontar o vazio, o nada. E por nada, também se pode falar da morte. Nada, sem consciência, corpo ou vida. Sempre sentiu dificuldade em adormecer, assim como enfrenta mal a morte desde que se lembra. Adormecer parece-lhe sempre morrer um bocadinho. A mim também.
Enquanto crescia nunca quis ser bailarino, astronauta ou bombeiro. Ao jantar, o médico sentado à minha frente está cansado, notam-se as olheiras, esteve de banco durante a noite, adormeceu de manhã. Acordou passado poucas horas com o som do telefone. A paciente tinha falecido. Quando estava a crescer nunca quis ser médico, não teria forças e sempre o soube. Continuo a jantar a pensar nisto. Tenho a certeza que nunca o conseguiria.
I.
Fim-de-semana repleto de leituras cruzadas, uma jornada por três peças de teatro, crónicas, entrevistas, um romance quase no fim. A meio desta viagem saltitante leio algo que recorda-me porque é Jane Austen um génio literário, uma vez mais deparo-me com a ideia do romance Orgulho e Preconceito girar à volta do amor à primeira vista. Errado, é um romance sobre ódio à primeira vista, e é por isso excepcional, um clássico.
II.
É possível apaixonarmo-nos no YouTube? Sim, quando passamos hora e meia a ouvir uma extensa entrevista, quando nos fazem rir à gargalhada, quando a nossa cabeça abana em concordância mais do que uma dezena de vezes. Quando, enfim, por momentos parece ainda haver esperança. Pessoas inteligentes e sem falinhas mansas, dois dedos de testa e frontalidade, uma raridade nos dias que correm.
III.
Esqueci-me do que ia escrever.
Acordei e por alguns minutos pensei que era segunda, tento enganar-me a mim próprio mas não sou bem sucedido.
A não perder a exposição na Biblioteca Nacional. Fotografias, cartas e muitos poemas – uma vida inteira.
O ideal era dar porrada no Hereafter do Clint Eastwood por uma questão de integração social, mas prefiro falar do Biutiful de Alejandro González Iñárritu. Se é para falar de morte e de médiuns, falemos deste. Não aconselho a verem os dois na mesma semana, erro cometido por mim, é capaz de ser excessivo. Biutiful não permite respirar do princípio ao fim, não há quebras, não é uma história bonita, não acaba bem, é violento, na verdade é excessivamente violento. Não é um murro no estômago, é o estômago em liquefacção durante duas horas. É quase perfeito.
Não há sítio como a soap opera para fazer regressar personagens do além. Eles morrem sem redenção, levam tiros, sofrem cancros, suicidam-se, são enterrados. Pensamos que nunca mais pomos a vista em cima deles. Quando damos por ela, começa a nova série e o Bobby protagoniza uma aparição na banheira.
Há uns meses, a propósito de uma investigação para um trabalho e devido à dificuldade em arranjar informação para o mesmo, lembrei-me de criar um alerta no gmail. Desde essa altura recebo emails a alertar-me para novas entradas na internet com o nome que procurava. Infelizmente recebi pouca informação pertinente em relação ao assunto em questão, mas para minha surpresa descobri no outro lado do mundo uma pessoa exactamente com o mesmo nome. Ao princípio, mal via que os alertas referiam-se ao outro homem, apagava sem ler uma única linha. Aos poucos e poucos fui começando a prestar atenção. É um homem ligado à política e todos os dias recebo emails com declarações suas, documentos do tribunal referentes a vários processos, reportagens, actos públicos onde participou; em suma, uma vida inteira. Estou cada vez mais fascinado com este homem que nunca conheci pessoalmente e neste ponto decido angustiado sobre o seu carácter. Será um homem de bem? Afinal, o que o move? Para onde vai? Entretanto leio também sobre outra cidade e a curiosidade aumenta de dia para dia. Também é recorrente duvidar que exista, se tudo não será uma alucinação, uma partida do gabinete. Por vezes também sinto que este homem, o outro, se sobrepõe ao verdadeiro, que está a roubar a história, por assim dizer.
Depois de passar o dia a colocar pontos nos iis, espero passar a noite a recolher pontos.
À uma da tarde penso que o mundo é uma tragédia insuperável, à uma da manhã que é uma comédia desenfreada.
Pompas fúnebres de Eduardo Pitta e Tiananmen nunca mais de Pedro Correia.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES