Nos melhores dias digo que sou persistente; nos piores, quando sinto dificuldade em aturar-me, digo que sou chato, um cão perdigueiro em busca de uma caça imaginária. Em manhãs pardas e cheias de possibilidades como a de hoje, em que vejo nitidamente sequências e vontades, sinto-me apaziguado por não desistir, mesmo que cruze muitas vezes os braços. Continuo a acreditar, a amar e a odiar exactamente da mesma forma, e a impossibilidade de fuga ao que sou determina o que serei sem contemplações de merda.
... depois do mundo acabar só podia ser um domingo. raios parta.
Em vez de escrever, ouço – as palavras dos outros a desfiarem histórias de fim trágico; os apitos dos barcos no rio em manhãs de nevoeiro a entrarem como lamentos pelas janelas; o homem que canta na esquina uma desgraça de amor antiga; as palavras de ordem de milhares a caminharem nas ruas; os sinos a tocarem a arrabalde unindo as colinas; as ordens intempestivas que me ditas ao ouvido; as voltas que dou sobre mim próprio.
O medo pode ser um táxi a entrar veloz numa rotunda com várias faixas de rodagem apinhadas de trânsito furioso. É possível que se concretize num elevador cheio que pára em todos os andares até chegar ao céu do edifício. Sofás, panelas, moda, e o diabo, tudo arrumado em prateleiras, cabides e vitrines. Pode surgir numa sala ampla na penumbra, com a respiração de centenas e eventos malabaristas debaixo dos holofotes. Pode acontecer, como pequenas réplicas de um tremor de terra que se anuncia.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES