Até no mal deve-se encorajar as pessoas a fazerem o que melhor sabem.
Planeamos tudo para evitar o confronto, para nos protegermos do embate. Tomamos decisões e optamos por caminhos e depois de tudo quando damos por nós estamos estatelados no chão de pedra a olhar o céu. Chove e tudo é cinzento – a rua, os prédios, as pessoas abrigadas debaixo dos toldos do comércio. O estrondo ainda a apitar nos ouvidos, a chuva a entrar pelos olhos adentro. Quando viramos a cabeça vemos a mota e parte de nós na calçada. Mais uma excelente oportunidade perdida de viver um maravilhoso flashback aos momentos marcantes na vida; mas a verdade é que a única coisa que me ocorreu é que tinha ainda muito para fazer e que acidentes não são para mim. Quando nos levantamos a custo percebemos que o caminho não era o mais correcto mas nem sempre vamos a horas de apanhar o mundo.
Write drunk; edit sober.
Ernest Hemingway
É na morte dos que me são próximos que revejo a impotência no seu esplendor do que poderia ter feito e não fiz, no quanto poderia ter amado e não amei.
Corrida à Feira do Livro. Saldo positivo, ainda apanhei a meio a apresentação do Éramos felizes e não sabíamos do Pedro Vieira e sai com um exemplar autografado com um boneco. Na banca da Planeta encontrei o Guia de Barcelona de Carlos Ruiz Zafón a preço de feira. Duas farturas, uma para subir o parque, outra para empanturrar na descida, e esquecer que o sol estava a morrer e ainda não tinha almoçado. Saída à francesa misturado na multidão apressada em direcção aos subúrbios e o trânsito caótico da rotunda. Fechar a semana e adormecer o corpo no bar do Ritz, mas a pressentir a cabeça focada na próxima semana de dias longos.
Uma pessoa aguenta tudo menos dois feriados de seguida. Quatro domingos em duas semanas. Ninguém merece.
April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.
Winter kept us warm, covering
Earth in forgetful snow, feeding
A little life with dried tubers.
TS Eliot
Há umas semanas num jantar conhecei um homem invulgar. Diplomata, tinha vivido e trabalhado um pouco por todo o mundo e trazia na bagagem histórias maravilhosas. Há uns anos estacionou em Lisboa, embora passe a maior parte do tempo fora em trabalho. Quando o interroguei sobre o motivo para ter escolhido a nossa cidade não mencionou o tempo, a gastronomia ou as pessoas. Disse que era o sítio mais estranho onde alguma vez tinha vivido e que o país existia no limite da ficção. Eu diria que a própria vida também.
Encerradas as festividades várias e afins, voltamos ao costume – pesquisar, organizar, escrever, planear, executar. A Primavera está a bater à porta, o resto é conversa.
A covardia é a mãe da crueldade.
E é quando menos esperamos, geralmente quando a nossa distracção do mundo ocupa tudo, que a vida consegue baralhar-nos as cartas de maneira surpreendente. As voltas do mundo é a coisa que mais me fascina desde sempre. Bem-aventurado dia.
Um dia é do caçador, outro da caça.
Acabei de ver no Twitter as primeiras fotografias da Feira de Lisboa. Mais logo vou estar por lá, este ano com um objectivo muito específico, encontrar alguns livros sobre Lisboa esgotados há muito. Mesmo com o céu a desabar sobre a cidade, há rituais que não devem ser ignorados.
'Um princípio reconhecido como verdadeiro, diz o autor (eu acrescento: reconhecido a priori, por conseguinte, apodíctico), nunca deve ser abandonado, qualquer que seja o perigo aparente que nele se encontra”. Ora, aqui, tem-se de compreender não somente o perigo de (casualmente) prejudicar alguém, mas, sobretudo, o de cometer uma injustiça, o que aconteceria caso eu fizesse do dever à veracidade, que é totalmente incondicional e que constitui nas declarações a condição jurídica suprema, um princípio condicionado e subordinado ainda a outras considerações; mesmo se, por meio de uma certa mentira, eu não cometesse, de fato, injustiça contra ninguém, eu violo, no entanto, em geral, o princípio do direito em relação a todas as declarações inevitavelmente necessárias (cometo uma injustiça formaliter, embora não materialiter), o que é muito pior do que praticar uma injustiça contra alguém, porque um tal ato nem sempre pressupõe um princípio, no sujeito, que diz respeito a isso. Aquele que permite a pergunta, que lhe é feita por um outro, se ele pretende ou não ser verídico em sua declaração, que deve fazer agora, sem que a receba logo com má vontade devido à suspeita, que é desse modo levantada contra ele, de que pudesse bem ser um mentiroso, mas que peça a permissão para refletir primeiro sobre possíveis exceções, já é um mentiroso (in potentia), porque ele mostra que não reconhece a veracidade como um dever em si, mas reserva para si exceções a uma regra que, em sua essência, não permite nenhuma exceção, pois ela [essa regra] nessas [exceções] contradiz-se precisamente a si própria.'
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES