László Moholy-Nagy, NYC 1930
O fim de Outubro trouxe de volta o rito anual de atrasar os relógios, adensando a escuridão que caía sobre as nossas tardes e deprimindo ainda mais a nação. Novembro começou com outra vaga de frio e com chuva quase diária. O tema de todas as conversas era a "crise". As tipografias do Estado imprimiam senhas de racionamento de gasolina. Não se via nada de semelhante àquilo desde aúltima guerra. A sensação geral é que estávamos a encaminharmo-nos para qualquer coisa grave, mas difícil deprever e impossível de evitar. Havia a suspeita de que o "tecido social" estava a desfazer-se, embora ninguém soubesse muito bem o que isso ia implicar. Mas eu estava feliz e ocupada, finalmente tinha um amante. Mel, Ian McEwan
O acordo que Joaquim Oliveira tem em mãos para vender os activos de media que detém na Controlinveste foi assinado com o angolano Domingos Vunge. (...) o empresário com ligações à Neshold foi o interlocutor da operação que prevê a mudança de propriedade para mãos angolanas de meios como o "Diário de Notícias", "Jornal de Notícias", "TSF" ou "O Jogo". (...) A concretizar-se o acordo esta será um reedição de uma estratégia já aplicada pelo empresário angolano em 2009, quando foi um dos rostos da operação de compra do "Sol". (...) Foi na sequência da compra do "Sol" que foi criada a Newshold, empresa presidida até este Verão pela advogada Ana Bruno e onde Domingos Vunge e Vítor Fernandes foram administradores até 2011. (...) a verdeira identidade titularidade da Newshold mantém-se até hoje desconhecida: a empresa é participada em 95% pela sociedade Pineview Overseas, sedeada numa offshore no Panamá. (...) No entanto, o Expresso sabe que o homem forte por detrás da Newshold é Álvaro Sobrinho, chairman do Banco Espírito Santo de Angola. (...) Depois do "Sol", a Newshold comprou uma participação inferior a 2% na Impresa – proprietária do Expresso – adquiriu 15,08% do Grupo Cofina – dono do "Correio da Manhã" – e assumiu a gestão do diário "i". É esta conjugação de activos – aliada ao desconhecimento sobre a titulariedade da Newshold – que suscita a preocupação (...): a concretizar-se a venda da Controlinveste e a confirmar-se a ligação de Domingos Vunge e a Newshold, a empresa angolana passa a deter – directa ou indirectamente – participações no "DN", no "JN", no "CM", e no "i", ou seja em quatro dos cinco diários jornalistas. Somando a estes meios o jornal "Sol", a rádio TSF e a possível participação na privatização da RTP, a Newshold fica na iminência de se tornar num dos mais poderosos grupos de media em Portugal. Sem que se saiba de forma oficial quem são os donos da empresa. Expresso, 27.10.12
A merger between Penguin and Random House would mean one company publishing 25% of all books in the UK.
Cinco décadas de ditadura produziram um estranho fenómeno – não há português que não confunda vingança com justiça.
Preparar uma prenda de anos com todo o cuidado; não é tarefa fácil congeminar em segredo algo que desejamos que seja inesquecível e eterno.
Olho o monte de páginas que ficará no meu lugar na paz de um campo que tratei sozinho: resta-me voltar para casa e fechar a porta. O meu trabalho está praticamente terminado. Escrevi os livros que queria, da maneira como queria, dizendo o que queria: não altero uma linha ao que fiz e, se me dessem mais cem anos de vida em troca deles, não aceitava. Era exactamente isto que ambicionava fazer. Há uns dez dias acabei o último. Se tiver tempo, e embora a obra esteja redonda.
A advogada preta, gira, esperta e de dicção perfeita, defende dois arguidos pretos que alegadamente roubaram outro da mesma raça. Aqueles remetem-se ao silêncio, numa estratégia que viria a revelar-se inteligente e deixam a vítima meter os pés pelas mãos, contradizendo-se, voltando atrás, os olhos erráticos e o corpo a tiquetaquear, denunciando as pequenas mentiras e as meias verdades com que insiste em penalizar a assistência. (...)
Duas excelentes notícias em menos de 24 horas e eu sem nenhuma garrafa de champanhe no frigorífico. Entretanto, mais dois capítulos do livro finalizados. E muitos assuntos melindrosos prestes a ser encerrados definitivamente. Moral? Qualquer coisa como o trabalho (deveria dizer resiliência?) compensa, etc, etc. Mais coisas por dizer, tantas e tantas coisas, mas agora vou sair e comemorar alarvemente. Até já.
A adolescência é um território fértil nesse campo; aos vinte definimos o nosso tipo de amor; aos trinta descobrimos algumas formas bizarras de amor dos outros e que nem todos os filhos nascem pelos melhores motivos.
Quem vive pelos media, morre pelos media.
Margaret Monck, Lisboa, 1930
Os dias naufragam no calendário sem perdão pela ordem natural das coisas – horas transformam-se em minutos, os segundos finaram há muito. Como se as medidas de tempo perdessem o ritmo esperado, transmutando-se apenas em algo veloz que já não controlo. Faço as malas de viagem mais estranhas da minha vida – não recolho para levar; selo tudo para que permaneça imutável no meu regresso. No dia marcado no calendário, não estarei cá – não haverá mensagens, telefonemas, amigos ou pessoas menos espantadas –, espero estar bem acompanhado em local aprazível junto ao mar com uma garrafa de champanhe.
A Sonaecom confirmou hoje, em comunicado, uma reestruturação do jornal "Público". As alterações vão implicar a "previsível saída de 48 colaboradores" e "a redução da estrutura de custos em cerca de 3,5 milhões de euros por ano, com a diminuição de custos de funcionamento", refere o comunicado publicado no site do jornal.
Estão todos consternados, de cara à banda, não ouço falar de mais nada. A tragédia, a notícia inesperada a alastrar pelos jornais, as fotografias-chave do percurso, uma carreira tão promissora, um fulgor na juventude, o mundo nas suas mãos, a adulação, o poder. E também as más fotografias, as histórias lamentáveis que saíram na imprensa, o declínio, o corpo inchado de anos e anos de drogas, os amigos em retirada veloz – tudo a surgir à tona outra vez. Há sempre uma história, quase banal que o mal não tem muita imaginação; uma série de más escolhas, uma coisa levou a outra, todos sabem o rosário, culpa da depressão que durou anos, o cair nas mãos dos outros, as veias entupidas de coca, o fígado a liquefazer, o coração a rebentar uma noite esmagado pelos excessos todos do passado. Todos a afirmarem que eram gigantes, e, afinal, a verdade é serem os mais francos do grupo, enjaulados na sua escuridão, uma fraqueza insuportável aos próprios, eis a raiz de tudo – os fortes caem sete vezes e levantam-se oito. Quantas vezes já vi isto? Perdi a conta, sempre o mesmo calvário a finar da pior maneira.
Subitamente, os comprimidos começaram a fazer efeito. Ou a medicação foi ajustada, não sei bem. Então, o fervor com que escreve insultos encriptados renasce. Acorda cedo, excessivamente cedo, as madrugadas oferecem-lhe a confiança que lhe falta no resto – com as mulheres, na cama e fora dela; e acima de tudo na escrita. A ficção nunca será um território conquistado, mas sabe que se misturar habilmente citações estratégicas de autores famosos com duas ou três piadas de esquina, algumas pessoas nunca deixarão de aplaudir por piedade. No fundo, entre os comprimidos e as palmas conquistadas a lágrimas e suor, pode sobreviver mais uns meses. [O idiota]
Fugir a meio do dia em boa companhia rumo ao mar, voltar com os cabelos revoltos e o corpo em sal, e o relógio ainda marcar 16h30.
Hoje chega ao fim um período de quatro meses a preparar um processo moroso que envolveu muito do meu (pouco) tempo disponível – documentos, testemunhas, gravações, depoimentos, papelada, investigações, reuniões, conselhos, e também algumas viagens. Pelo meio aconteceu o Verão, um dos mais intensos que tenho memória; não direi que mergulhar em cheio na sordidez humana seja das experiências mais agradáveis, mas a verdade é que este acontecimento acabou por ser apenas o pano de fundo para quatro meses inesquecíveis – pelo apoio e ajuda das pessoas interessantes, inteligentes e justas que estou rodeado. Aqui fica o meu agradecimento público. Que a festa comece, venha a rentrée.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES