12.12.09 . 12.12.12
At five, Gregorius called Constantine Doxiades, his eyes specialist. They had often called each other in the middle of the night to share their common suffering from insomnia. Sleepless people were bound by a wordless solidarity. Sometimes he played a blind game of speed chess with the Greek, and afterwards Gregorius could sleep a little before it was time to go to school. Night train to Lisbon, Pascal Mercier
Não há melhor prova de delito do que papel escrito.
O canastrão que meti em tribunal este ano decidiu processar-me por difamação. Para perceberem melhor vou usar uma metáfora – imaginem que são assaltados com uma arma branca e o ladrão decide processar-vos por dizerem que era um canivete. Enfim. Perco mais uma bela manhã de trabalho para ler quatro páginas repletas de mentiras, imprecisões de datas e acções, lista de testemunhas de brandar aos céus, e – espanto – três tiros certeiros no próprio pé. Já para não mencionar os erros ortográficos (mas quem são estes advogados?...) e a estratégia errada que qualquer advogado estagiário jamais consideraria uma opção válida. Como resposta foi preparado um dossier de quase duzentas páginas de provas. Uma pessoa pode tolerar muita coisa na vida e na literatura, menos falta de rigor.
Já contei algumas vezes isto, em jantares, aqui e ali, mas sempre no círculo de amigos. Há dois anos estava absolutamente fascinado com as caixas de comentários na internet, qualquer coisa servia, notícias nos jornais online, blogs, as polémicas do dia. Depois de alguns meses de leitura desse reduto fascinante desenvolvi algumas teorias que tiveram a sua expressão máxima num texto que por essa altura escrevi e do qual já só recordo vagamente o título. Aquelas tralhas que uma pessoa deixa na gaveta à espera do momento certo, etc. Mas foi nessa altura que numa noite ao ler uma extensa caixa de comentários na página dos Técnicos Oficiais de Contas fui parar a um segundo site onde li uma descrição de um evento mirambolante passado em Lisboa. Essa descrição acompanhou-me durante algumas semanas, um dia sentei-me ao computador e sem pensar muito, de forma automática, comecei a escrever. Dois anos e muitas páginas depois, muitos livros lidos, visitas ao local, fotografias e emails trocados, o livro está quase pronto. Raramente leio agora caixas de comentários, na verdade evito-as, mas não posso deixar de agradecer à essa fabulosa expressão da democracia online, sem ela não haveria livro.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES