Chego à noite a casa e preparo-me para a maratona de escrita, amanhã há entrega e tenho o texto já estruturado mas vamos a meio da escrita propriamente. Mas, já nem sei bem porquê, acabo a desviar-me dos planos iniciais e a ler as terríveis notícias sobre a mulher encontrada morta, e depois de deambular mais um pouco assisto a esta entrevista de Hitchens. E mais uma vez acabo a pensar no homem do casino e na solidão. Há muitos anos, numas férias no Mónaco, decidi jantar no casino na noite da minha chegada. Entro na sala elegante, lustres e dourados, um pé direito impressionante, repleta de smoking e vestidos compridos. Sento-me e peço ostras e bebidas e tudo naquele momento é perfeito; a companhia, o sítio, a comida. Lembro-me de contar entusiasmado a minha tarde passada a ver a colecção de carros do príncipe, de falar longos minutos sobre pormenores de design e de uns prédios de rara arquitectura perto do local. Depois vi-o. O homem a jantar no casino, sozinho numa mesa, com ar triste e semblante carregado. A comer sem tirar os olhos do prato e sem olhar os empregados; nem uma única vez olhou para a sala ou para as outras mesas. E acabei a noite a jantar em silêncio com vista para o homem mais solitário do mundo.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES