Augusto Macedo veio para Lisboa em 1916, aos doze anos, de uma pequena aldeia do centro do país para trabalhar numa padaria onde um irmão mais velho era sócio. Aos 24 anos pediu dinheiro emprestado e comprou o famoso Oldsmobile Cabriolet, modelo XT 303, fabricado em 1928 pela General Motors. Desta série apenas três viaturas vieram para a Europa e as outras duas já desapareceram. O motor e a grande maioria das peças continuam a ser as de origem, com excepção dos pneus, que foram trocados pelos de um Chandler ainda mais antigo, de 1923. O carro de matrícula AB-61-86 de caixa aberta apresenta um motor de 6 cilindros, com 2745 cm3 de cilindrada e 11 cavalos de potência. Era o senhor Macedo que fazia a manutenção do carro. Não lhe era imaginável trocá-lo por qualquer outro e por isso recusou indignado nos anos 60 uma proposta da General Motors que lhe oferecia um carro novo em troca do seu no intuito do mesmo integrar a colecção da companhia.
Os primeiros táxis surgiram em Lisboa em 1907 e rapidamente se implantaram. Eram apenas quatro e instalaram-se no Rossio. Apesar de pequenos e com quatro lugares apertados, batiam em velocidade as velhas tipóias puxadas a cavalo e acabaram por se impor. Augusto Macedo percorreu ao volante do seu Oldsmobile mais de dois milhões de quilómetros pelas ruas de Lisboa, Cascais e Sintra. Constituiu uma clientela fiel, portuguesa e estrangeira, com a qual criou fortes laços de amizade. Chegou a transportar três gerações da mesma família. Os clientes estrangeiros chegavam a reservar as viagens muito antes de se deslocarem a Lisboa. Entre os seus cliente contaram-se os escritores Fernando Pessoa e Virgílio Ferreira. Um declamava-lhe os seus poemas e o segundo, referindo-se à provecta idade tanto do táxi como do seu condutor, comentaria a brincar com as letras da matrícula do carro: Não sei quem será mais velho. O AB da chapa deve indicar Antes de Babilónia...
O táxi tornou-se uma personagem histórica da cidade. Em 1996 foi a vedeta do filme Taxi Lisboa, do realizador alemão Wolf Gaudlitz, onde Augusto Macedo conquistou aos 93 anos o prémio de melhor actor amador atribuído no Festival de Pescara. O velho AB-61-86 sobreviveu, sem nunca ter sofrido um acidente, ao seu proprietário, falecido em Janeiro de 1997, precisamente no dia em que estreava em três salas de Lisboa o filme que interpretara. Nesse ano, em que caducava a sua carta de condução, Augusto Macedo era o mais antigo taxista do mundo ainda no activo. Em 1998 a Associação Turismo de Lisboa adquiriu o velho táxi, assegurando a sua conservação na cidade e a sua utilização para fins de promoção turística. Depois de permanecer alguns anos guardado no piso -3 do parque de estacionamento subterrâneo da Praça do Município, esteve recentemente em exposição no Terreiro do Paço. A Câmara deu o seu nome a uma rua em Carnide: Rua Augusto Macedo – taxista, 1904-1997.
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LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
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