Na rua, vejo-a. Caminha na minha direcção em passo ligeiro, mas decidido. Nem contente, nem triste, a fazer a gestão à vida. Os cabelos pintados de castanho, um nadinha de raiz a acenar. Saia um pouco abaixo do joelho, camisa branca, casaco azul de malha, provavelmente tricotado por ela. Carteira de pele preta na mão, pequenos brincos de ouro. Vejo-a em todo o pormenor, joanetes e rugas de expressão incluídas. E no entanto. No entanto, apesar de a ver na rua nos seus afazeres, começo a fazer contas. Oito mais nove, dezassete, e vão sete, mais onze, e vão oito, mais dez. Contas à minha idade, aos anos, conta para aqui, conta para acolá, e chego à conclusão que é impossível estar viva. Consola-me a sua imagem tão ligeira num fim de tarde na avenida.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES