Quando digo a morada não sente pudor em revelar desconhecer a localização. Preparo-me para uma viagem difícil. Dou mais indicações, situo a zona, ofereço o trajecto mais indicado, menciono nomes de ruas e restaurantes. Faz um sorriso e pede-me o número da porta. 23. Vamos para o 23. Ahhhh, diz ele todo contente. Liga o GPS e parece genuinamente interessado em saber todas as informações.
Duas ruas depois, o telemóvel toca e com o mesmo sorriso atende a chamada e fala durante uns longos minutos enquanto atravessamos ruas, noite, sinais e chuva. Quando desliga decide que somos amigos e conta-me o telefonema. Era o amigo a comunicar que chegou bem a Espanha. Tudo a correr como o esperado. Vai lá casar. Mas quer saber o melhor?, pergunta ele, todo amizade para aqui, amizade para acolá. Vai casar por dinheiro. Aqui arrebito as orelhinhas, que histórias a vulso é pura gasolina para andar a passear pela vida e esta parece bastante promissora. Diz-me que o seu amigo vai casar por dinheiro? Isso já não está em desuso?, provoco para puxar o cordel à história. Não é preciso atirar-me aos nabos na púcara, o meu novo amigo taxista quer contar tudo.
Pois, por dinheiro, uma mulher ofereceu-lhe dinheiro para casar. Mas isso é tudo amor ou desespero? Nem uma coisa nem outra, é para ter papéis. Ahhhh, percebo, hum, hum, e seria muita indiscrição perguntar por quanto fica um matrimónio nessas condições? Nenhuma indiscrição, caro amigo, 5 mil euros é a quantia em jogo. 5 mil euros? Isso está em saldos ou é a crise? É o valor estabelecido, 5 notas das grandes, vai a Espanha e volta de anilha. Acho barato, uma pechincha. Eu já pensei nisso, se estivesse num aperto... mas não seria capaz. De Espanha, nem bom vento nem bom casamento. Acha? É uma expressão. Ahhhh, nunca tinha ouvido, não foi alguém que casou por dinheiro, pois não? Não, mas foi um casamento arranjado... espere, pensando melhor também foi por dinheiro e papéis.
a minha língua é a pátria portuguesa
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grandes crimes sem consequência
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