20h27. Eléctrico 28. Sem mais nem menos, desata a cantar um fado. Está sentado ao lado do amigo que ostenta o mesmo número infinito de rugas. Um telemóvel e uns fones partilhados, um para cada compincha. Onde estás, continuaaaaaa, ouvem na rádio Amália e um deles reproduz com voz coxa a cantiga para os passageiros. A ver-me esperar por tiiiiiiii. Dois velhos divertidos. Entra numa paragem um jovem trombudo, todo ele capuz e raiva muda. Os velhos gozam-no. Apontam o dedo e trocam piadas. Escorrem lágrimas pela cara abaixo de tanta piadola. Gozam os gestos do capuz mal aviado, gozam com o eléctrico e os passageiros. Mandam o mundo dar uma curva apertada. Antes de apearem na calçada, o que desafina ensaia uma dança tosca e oferece o último refrão. Ficam os passageiros de sorriso nos lábios.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
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CIDADES