Reparei primeiro no tablier. Coberto de autocolantes, bonequinhos, peluches, medalhas, bugigangas. A parafernália continuava alegremente pelos bancos com lenços e penduricalhos. Quando olhei para o tecto e descobri mais calquitos, comecei a ficar intrigado. O taxista – meia-idade, poucas palavras – não denunciava a nacionalidade, para todos os efeitos falava português, mas eu imagino-o como o típico motorista indiano a guiar uma decoração ambulante. Por acaso, se conjugasse as barbas fartas com um turbante poderia facilmente transportar-me para uma rua de Bombaim. Volto à decoração e no meio daquilo tudo encontro um autocolante da cidade de Aveiro. Lá se vai a fantasia. Descubro um pirilampo mágico vesgo e roxo a abanar as antenas para mim e uma catafrada de autocolantes almofadados com bonequinhas japoneses. Os tons cor-de-rosa e vermelho dominam o cenário e até o volante tem direito a fitinhas que abanam a cada guinada. Quando pensei que já não aguentava com tanta mariquice pegada, o motorista atirou pela janela do taxi para a via pública uma valente e consistente escarreta.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES