São muitos e caminham em várias direcções numa alegria furiosa. De vez em quando, a avenida é cortada por ruas estreitas de sentido único e os táxis são respeitosos. Nada de buzinarem à multidão. Ele conta-me, enquanto tentamos sobreviver à turba dos corpos em festa, que no país onde esteve recentemente é ao contrário, mesmo que não haja trânsito os peões permanecem medrosos no passeio à espera do sinal verde. Morrem que nem tordos na estrada. Nunca viu um povo respeitar tanto os sinais. Eu lembro-me logo dos mortos numas férias fatídicas há mais de uma década. O que mais me impressionou foi o homem das compras no mercado. O cesto carregado de frutas espalhado no alcatrão e a minha incredulidade perante a distância entre o carro de vidro estilhaçado e o cadáver. O homem mortíssimo, as romãs a rolarem pelo asfalto num dia quente e límpido, as palmeiras espantadas na estrada, e tão pouco sangue, apesar de tudo, a lembrar que para o fim, uma manhã de Verão basta.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES