O empregado do café não admite que o contradigam, o espaço está uma vergonha, é lixo por todo o lado, ervas espreitam a cada canto. O guarda diz que não, não, não é verdade, tem de lá ir ver, está tudo limpo e arranjado, um brinquinho. As duas idosas na mesa a bebericar chá estão com o dom da palavra, dantes é que era uma coisa bem feita, os jardineiros eram uns bêbados mas trabalhavam bem, era ver os homens tortos, pinga de manhã à noite, mas havia dálias, flores a perder de vista, os canteiros arranjados, as árvores esticadas em direcção ao céu. O empregado esfrega as mãos no pano da loiça sujo e pergunta por que raio não está a passagem para a torre aberta e o guarda defende-se, se eles para lá levam crianças de palmo e meio, naquele sítio onde não há protecção, à mercê dos caprichos do acaso, se surge acidente não há quem acuda, é tragédia certa. O empregado afirma que se afinal está tudo limpo e arrumado, se não aparecem ervas a toldar a vista, então está bem, está muito bem, mas o que está mal é o preço, é preciso deixar os anéis e os dedos para entrar, está mal, está mal. O castelo é património de todos, ó que raio. A mulher de rugas a tiracolo não se resigna, dantes via dálias, muitas dálias e pavões, eram uns bêbados mas nas fontes e bicas corria água com prazer.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
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