Old fashion, diz ele. Levou uns piropos no sábado à noite na pista de dança e consequentemente um apertão no pescoço do mais-que-tudo da atrevida. Agora diz que vai cantar, influências do Chet Baker. Encontrou (encontraram-no) no Facebook pessoas com as quais já não trocava palavras há vinte anos. Os gajos de há duas décadas atrás quando o pai morreu, todos juntos por causa da morte do Eduardo que deixou uma filha bebé. Eu, que não conheci o Eduardo, mas que mortos é o que não falta na minha vida, percebo a sua consternação a propósito da voracidade do tempo a passar. É estranho ter memórias com vinte anos, diz na esplanada encavalitada nos telhados de Alfama num dia de tréguas. Lembra-se do candeeiro que teve de apresentar. O pai morto e ele a explicar que não tinha interruptor, tocava-se no objecto e fazia-se luz. A explicar mecanismos inovadores com o mecanismo interior feito em papas. Afinal de que morreu Chet Baker? E onde anda o candeeiro? Isto é bonito. Um museu a céu aberto é o que é. As casas, o empedrado das ruas, as buganvílias, a agência funerária, o palacete com a velhinha. Vamos tocar à porta?, diz e eu, por pouco, não espeto o dedo na campainha. Na pista de dança a amiga frenética mantinha-se abstémia. "Eu sou concentrada, é só juntar água" diz ela e ele achou piada. Há um mundo novo nas pistas de dança, já tinha ouvido falar, mas não sabia que existia, diz ele.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES