É para ratos. Não estamos de feição com a vida. Num dos anos mais negros da nossa (curta) memória colectiva percorre uma raiva nos cafés, nas repartições públicas, nos jornais, nas empresas, nos partidos, nas casas. Mas é um preço justo a pagar. Vivemos paredes-meias, há muito e quotidianamente, com a pequena falcatrua, a falta de punição e vergonha na cara. Esquecemos rápido, demasiado rápido, não possuímos memória a longo prazo, decidimos pelo uno e não pelo todo. Gostamos da pequena corrupção à grande, passando pela permissividade, outra forma de embuste, e da justificação do que nunca poderá ter. Não gostamos de pedir desculpa, não assumimos os actos nem os erros, e somos bons a contar histórias e de as rematar com a (falta de) moral do bom malandro. Somos uma nação amante da filha-da-putice e da rasteira, sem culpas no cartório, como as facadinhas no matrimónio, de luvas por debaixo da mesa, de enganos na conta do restaurante. O tempo não está para heróis.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES