Esta noite aprendi uma expressão nova, aqui há atrasado – significa há uns tempos, algo que aconteceu. E é mesmo com o h. Pois como não há coincidências, este post era sobre o passado. O passado recente que agora parece-me extremamente longínquo. Aqui há atrasado eu tinha a capacidade de rir, mas rir com gosto, das desgraças, das coisas que deviam magoar, uma forma de lhes deitar a língua de fora. Hoje, com um copo de vinho na mão, numa mesa com amigos, dos verdadeiros, ri como há muito não recordava. A propósito de uma pequena história, daquelas pequeninas mas que são sempre as melhores. Contavam-me que num instituto onde uma pessoa amiga trabalhou existia uma D. Lurdes. De vez em quando pedia para sair mais cedo porque tinha de ir tratar da gavetinha. Ninguém fazia ideia do que era a misteriosa gavetinha, ponderaram se estaria no pleno das suas capacidades, mas ninguém ousava perguntar. Um dia descobriram que os cemitérios da cidade já não tinham espaço e os novos corpos tinham como destino as gavetinhas, ou seja, os ossários. Não é a melhor história que já ouvi, mas aqui há atrasado que não ria de forma desenfreada esquecendo o mundo por momentos. Tinha saudades disso.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES