Manhã cedo, ainda de olhos fechados e a arrastar os sonhos pelo cordel, entro no café do meu bairro para pedir um jarro de cevada. A consternação é geral, entre os donos e os vizinhos, a D. Júlia finou no dia do santo padroeiro. Ainda há pouco ali estava no café a rir e a falar pelos cotovelos, e agora isto, esta morte tão inesperada. Uma coisa assim, fulminante. A quem chegava em busca de notícias distinguiam qual das Júlias, nome comum no bairro, a morte tinha convidado – a que deram como morta quando caiu o candeeiro. Depois ouvia-se um ahhhhh triste e mais considerações sobre a porcaria da morte que chega sem aviso, tudo distraído com os balões e a morte a chegar sem ninguém dar por nada, malvada. Aparecia mais um vizinho e a conversa recomeçava outra vez – morreu a Júlia do candeeiro – ahhhhh, grande gaita. Ainda há pouco a vi a comprar cerejas.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES