Hoje passei o dia a pensar em nostalgia e no seu significado. Depois de umas pesquisas fundamentais para compreender o que é isso da nostalgia afinal, acabo à mesa num jantar onde a palavra também esteve presente – nas histórias dos que já partiram e nos percursos de cada um –, e que finalizou com a história macabra de um suicídio ocorrido no Castelo de São Jorge há poucas semanas. Um rapaz, 19 anos, que saltou da muralha e faleceu no local. Cheguei à conclusão que, em mim, nostalgia é sinónimo dos anos 80. Foi onde cresci e as minhas mais importantes memórias residem. Dois dos eventos que melhor recordo ocorridos nessa década foram os suicídios em massa num inverno em Berlim e os constantes, ao longo dos anos, na ponte 25 de Abril. Lembro-me muito bem da história de um professor da escola secundária. O carro foi encontrado na ponte, ninguém o viu saltar, nunca foi encontrado o corpo. Ainda houve dúvidas se teria sido suicídio ou uma simulação. Uns anos depois foi a vez de uma rapariga saltar da ponte. Se a minha memória não falha, era Verão, penso que era Agosto. A rapariga estava no carro com o pai e a madrasta e seguiam no sentido Almada - Lisboa no regresso de umas férias no Algarve. O carro imobilizou-se no trânsito, ela abriu a porta, percorreu alguns metros no tabuleiro da ponte e saltou. Sem uma palavra. Chamava-se Sofia e tinha 13 ou 14 anos. Este suicídio impressionou-me muito. Guardei a folha de jornal durante muito tempo. No artigo explicavam com uma infografia que, se uma pessoa saltasse da ponte, os 70 metros eram suficientes para a morte ocorrer em pleno voo. Quando o corpo embatia na água, o mais provável, é já estar cadáver. Aparentemente, a pessoa sucumbe de ataque cardíaco. Estes são apenas dois dos casos que recordo com mais nitidez, havia suicídios todos os dias. Cartas no tablier, carros parados na ponte, corpos que apareciam e outros não. Mas, uma coisa era certa, nos anos 80, quem saltava tinha como destino a campa ou ir alimentar os peixes. A seguir ao 25 de Abril o suicídio na ponte parecia uma coisa corriqueira, tal era o número de casos. No entanto, depois de ouvir muitas pessoas ao longo dos anos, cheguei à conclusão que deviam suicidar-se tantas pessoas depois como antes da revolução. A forma como se falava, ou não, do problema é que diferia. Houve um tempo onde existia censura e outro onde estes casos não só apareciam nos jornais como eram amplamente publicitados. Depois as coisas complicam ainda mais. Parece que há quem sobreviva aos 70 metros. Em 2003, um homem de 28 anos atirou-se da ponte e sobreviveu apenas com uma costela fracturada e uma ferida na mão. Foi recolhido por uma lancha da polícia marítima e transportado para o hospital. Há o relato de outro sobrevivente, que não caiu na água, mas no mercado Rosa Agulhas em Alcântara. Depois de uma zanga com a namorada, ameaçou atirar-se da ponte e cumpriu. Deu cabo do telhado do mercado mas safou-se com uns arranhões. Foi resgatado pelos bombeiros e, facto insólito, saiu pelo seu próprio pé depois de uma queda de 60 metros. Ainda houve o caso de um tipo que saltou mas ficou preso na estrutura da ponte e para ser resgatado provocou o caos no trânsito em Lisboa. Mas mais caricato foi o caso ocorrido em 2006 no ano em que a ponte fez 40 anos. Um sem-abrigo em protesto esteve pendurado por uma corda durante horas a exibir um cartaz com os dizeres "Sem amor, sem abrigo!". Provocou o caos na ponte e uma fila de carros com 14 km mas foi resgatado pela GNR com vida.
Há quem seja fanático e não lhe escape nada nos blogs. Eu confesso que o fanatismo atingiu-me na leitura dos comentários. Qualquer site, blog, ou fórum serve. Se há comentários, logo é bom. Tudo começou quando fui parar a uma caixa de comentários no site dos TOC (Técnicos Oficiais de Contas). Desde aí troquei os textos e posts pelas caixas dos comentários. São um manancial de situações, formas de estar na vida, opiniões, umas sábias, outras tresloucadas, mas que, em suma, são o retrato mais fiel que encontrei da realidade democrática. Qualquer um pode revelar o que carrega na alma e, claro, há de tudo como na farmácia. Resta dizer que, para quem escreve ficção, não há crise de criatividade que não sucumba perante uma caixa de comentários das boas. Também tenho a sensação, mas ainda não consegui comprovar definitivamente, que o nascimento desta forma de comunicação proporcionou às portas das casa de banho públicas um asseio maior.
Este comentário é de 2006. Encontrei-o hoje num fórum sobre o suicídio:
Vivi durante muitos anos numa vila piscatória quase por baixo da ponte da Arrábida. Era frequente alguém se atirar lá de cima para se suicidar, por acaso nunca (felizmente) assisti a ninguém a saltar, mas quando se ouvia muito alarido na rua muitas das vezes era alguém que tinha saltado para as águas do Douro e lá iam os pescadores tentarem trazer o suicida para terra o mais rápido possível. Ouve casos de pessoas que escaparam graças ao rápido auxílio dos pescadores, outras caiam na estrada e não tinham hipóteses, a Ponte da Arrábida tem 75 metros para o nível médio das águas do Douro. São pessoas num estado de desespero muito grande, outras têm problemas psicológicos. Conheço o caso de uma senhora que vivia nas redondezas, dirigiu-se à ponte para saltar, mas, como não conseguiu subir o varandim foi a casa e voltou com um banco e saltou.
a minha língua é a pátria portuguesa
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grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
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