O mafioso italiano Pasquale Manfredi, um dos mais perigosos no seu país, foi detido. Este magnífico desfecho deveu-se a ter criado uma página no Facebook com o prosaico nome de Scarface. De uma assentada arrastou para a lama a nossa ideia cinéfila de ganster e demonstrou o perigo da vida online.
Sempre defendi que as redes sociais são apenas um reflexo da realidade. Entrar no Facebook é o mesmo que ir a um bar: podemos encontrar uns amigos e ter conversas estimulantes, levar com um alcoólico de vez em quando e com sorte conhecer alguém interessante. Tal como numa saída nocturna, beber um copo não faz mal, há até quem defenda que um copo de vinho tinto faz bem ao coração, mas o excesso pode provocar cirrose. Há muitas pessoas a alertar para os perigos das redes sociais mas só esta semana fiquei convencido que o inferno pode adquirir muitas formas.
Há uns meses fui aliciado para entrar numa rede social por um amigo. Registei-me mas nunca frequentei a rede. Esta semana recebi uma mensagem pessoal misteriosa com um link. Não resisti a entrar. Em meia hora fui assediado 64 vezes por chat e mensagens. A maior parte dos contactos eram inócuos – Olá, Queres teclar? Queres ser meu amigo? –, outro foi de tal forma ofensiva em termos de conteúdo sexual que a minha educação não me permite reproduzir e apenas um chamou-me a atenção. O texto era bem escrito e demonstrava uma pessoa bem formada. As fotos, como dizer, eram muito apelativas. E ainda rematava com informações pessoais para que pudesse confirmar que não estava a lidar com uma descontrolada qualquer. Resolvi responder e assim dar razão ao Miguel Sousa Tavares, há um mundo de engate desvairado nas redes sociais.
No dia seguinte, a tentar domar a insónia, ligo a televisão e assisto a uma entrevista a um palhaço, dos verdadeiros, com nariz vermelho e sapatos de meio metro. Quando já estava quase a mudar de canal porque o palhaço tinha tudo menos piada, ele disse umas palavras mágicas. Duas palavras apenas, o nome de uma pessoa. Fiquei a pensar se não seria um amigo da minha adolescência. Lembrei-me de fazer uma busca no Facebook e encontrei a pessoa que procurava à primeira tentativa. Deus fala certo pelos palhaços errados.
Daí a ter encontrado outras pessoas que perdi o rasto há quase duas décadas foi um instante. Fiquei a saber que o amor da minha adolescência tem cabelos brancos e é contabilista. Que uma das minhas melhores amigas, de boas famílias e sempre empertigada vestida de Ana Salazar, rendeu-se aos ácidos. Tive de ver várias fotos dela com orelhas de duende para confirmar que era a mesma pessoa. Não são só as redes sociais que fazem mal, os ácidos também. Soube que dois deles casaram, um morreu, vários emigraram, uma é médica, outra rendeu-se aos encantos do bondage. Vi fotografias antigas, vi recentes e mais estranho ainda foi ver uma fotografia tirada na antiga sala de estar da minha família. Li descontrolos de amizade e de amor, ódios antigos, recados dados.
Finalmente depois de tantos anos na net abri a caixa de Pandora. Desliguei o portátil e fui beber um whisky para o terraço à espera do dia amanhecer.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
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