Sábado, 20 de Março de 2010

 

Estava tudo muito bem e depois a casa morreu. Primeiro as luzes e os aquecedores, o computador continuou a cantarolar mais uns segundos até finar também. Uma morte silenciosa sem o estrondo no quadro eléctrico, habitual nas casas antigas com instalações inadequadas à tecnologia frenética actual. A pensar que faltava o estoiro, abri a caixa do contador e estava tudo muito bem como um relógio congelado a mostrar a hora exacta da catástrofe. Raios que não paguei a conta da luz. Uma ida à loja do cidadão e uns telefonemas depois verificou-se que não sou um desmazelado e de madrugada mando vir o piquete de urgência.

Uma casa morta é uma coisa muito triste sem o barulho de animal zangado do frigorífico, o mostrador das horas na box, a infinidade de coisas banais que são invisíveis excepto quando falham. Portanto, temos velas e a única coisa que nos ocorre fazer até vir o piquete é ler. O piquete que há-de chegar e ter uma longa conversa sobre a confusão que lhe provoca o espaço temporal intermédio, entre uma coisa e outra. Por exemplo, o velho teatro romano, o que aconteceu entre o tempo em que foi construído e o presente, Mas quem é que enterrou aquilo?, pergunta ele no alto do escadote com o fusível na mão que chama de boneco. Mas por agora o piquete ainda não chegou e há que ocupar o tempo.

E aqui começa o problema, olhamos para a pilha de letras e temos de eleger um livro compatível com a situação adversa que estamos a viver. O teste da vela é importantíssimo como indicador da qualidade da prosa tal como o algodão branco no soalho. A quantidade de velas também é um factor fulcral na avaliação final. Depois de muito hesitar escolho um para companhia.

Cumpre-me comunicar que Campo de Sangue de Dulce Maria Cardoso passou com distinção, uma hora e meia com a luz tremelicante de três velas, e só não continuei o teste porque a palavra fim acendeu.



publicado por afonso ferreira às 15:23 | link do post

De Cosmos a 17 de Abril de 2010 às 01:20
BONITO.


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