Sem já saber como matar o tempo, saio do café e fecho-me no carro a fumar cigarros a olhar para o jardim e o rio. Bato o pé e tenho de refrear a vontade de acender um cigarro no anterior. Este paraíso de verde e pássaros e água azul no começo da primavera é inadequado à minha tempestade. Pego no telefone várias vezes mas decido não ligar. Quero prolongar o prazer que antecede falar contigo. Hoje é o início de qualquer coisa tenho o sangue em combustão a chiar nas artérias. Neste aquário de vidro de quatro rodas tudo parece desfocado, o grand noir a passear o velho dono, as copas das árvores enterradas no solo, as raízes a abanarem na brisa leve, 22 bolas e um miúdo em campo. Quando não estás a loucura instala-se em mim, tenho de a domesticar como o domador de leões no circo a rezar para não ficar sem cabeça. Está na hora, fumo o último cigarro. Que fazemos, eu e o tempo, juntos nesta eternidade de dia?
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES