Na festa apinhada reencontro velhos e novos rostos como se todas as épocas da minha vida se fundissem numa só noite. Recordações com copos na mão e sorrisos alcoolizados, o jantar a deslizar em pista de dança, a noite em exercício de memória e abraços. Ao amigo que já não encontrava há muito e que conta a sua história recente entre pedidos de copos no bar. Depressão, prozac, levantar, cair outra e outra vez. Agora rimos e acabamos abraçados a prometer encontro num futuro próximo à volta de uma mesa com comida e troca indiscreta de impressões do tempo perdido. E depois a uma barriga enorme, a três semanas da hora final, encosto o meu corpo naquele outro tão prenho, uma sensação primordial, e digo-lhe ao ouvido que vai tudo correr bem, o quanto gosto dela e desejo-lhe uma hora pequenina. Porque eu sei que o tamanho da sua tristeza é maior do que o seu corpo todo, que tudo aconteceu ao contrário do que desejava e que muitas ideias feitas desmoronaram. E acabo a noite noutro abraço apertado, em que nada digo, porque sei que o que queres é silêncio. Porque eu adivinho o teu segredo, descobri-o nos teus olhos em pânico, no desespero das tuas frases, tão bem disfarçado nessa falsa alegria de viver que és tão brilhante a representar. Abraço-te e fico em silêncio a detestar-me por saber de tudo e não ter braços suficientes para te dizer que está tudo bem.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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CIDADES