Ainda não tínhamos chegado ao evento e já me sentia a flutuar. O passeio junto ao rio pejado de estrangeiros a beber cerveja e a ver o jogo do mundial. A França a perder e os tipos quase a chorarem. Depois havia a rapariga bonita a vender flores que fazia beicinho. As pessoas em nervoso crescente porque tínhamos de chegar a horas, como se neste país alguma coisa andasse a par do relógio. Eu a gozar o pratinho secretamente porque não gosto de ofender pessoas nervosas e convictas. Despejamos umas imperiais e eu via tudo menos o futebol, porque o exotismo acertou-me em cheio, não havia compatriotas na esplanada nem no passeio, e, subitamente, pareceu-me que estava numa cidade do sul com uma grande tempestade a aproximar-se. Quando chegámos ao evento comecei a pairar. No bar o empregado está desconsolado porque o que não falta são garrafas. Copos é que não. Ficamos os dois a olhar um para o outro e ele saí-se com esta, está à espera que as pessoas voltem com os copos. Olho para o grande evento ao fundo, debaixo da ponte, os contentores, a estrutura que nunca ninguém descobriu para o que serve, parece uma Sydney rasca em miniatura, olho outra vez para o gajo e sorrio enquanto penso estas merdas só a mim. Rodo os sapatos e sigo para o grande evento. Os contentores fechados, milhares de pessoas a chegarem, vejo gente a vir da embaixada, vejo plumas, vejo o chão de gravilha, péssimo para saltos, vejo aquilo tudo e não vejo nada. Depois um estoiro e mais um. Os estoiros ficam a animar o evento. Damos a volta aos contentores. Nada. Só gravilha e pessoas. Parece que são gravações de máquinas de lançamento de bolas de ténis. E eu sem a minha raquete electrificada. Está um vento de feição que é uma maravilha. Bom para velejar. O ruído da ponte a marcar o tempo e a máquina de bolas a disparar. Dou por mim a pensar que é a maior desgraça a que já me lembrei de comparecer ou a melhor de todas. Depois olho com atenção para aquilo tudo e não tenho dúvidas, é realmente a coisa mais bizarra a que já fui nesta cidade.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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