Segunda-feira, 21 de Junho de 2010

 

...e antes que já não haja tempo e o corropio nos apanhe desprevenidos, eu confesso, e como não o posso fazer aos teus ouvidos em palavras aveludadas em que daria pequenos estalinhos com a língua para enfatizar os pontos menos importantes, porque se assim fosse o mais certo era já não dizer nada e fechar os olhos para sentir melhor, é preferível que avance sem hesitações, talvez comece por dizer que é minha convicção sermos mais livres se vivermos em vez de projectarmos essas ideias insanas que nos abrigam a obedecer, que não seriamos felizes se não fizéssemos assim ou assado, que nos faltaria uma parte vital, como o baço ou um pulmão, sei lá, se não obedecermos à ordem estabelecida, de nascer, conceber, parir, moer o juízo a toda a gente e morrer sem grande alarido, e essa outra tão moderna, do amor ser uma coisa definida que não há anormal que não saiba enumerar quando nasce e morre e o que é preciso para ser um grande romance, e não há estafermo que lembre que a noção de amor romântico nem sequer existia há umas décadas atrás, e assim como assim, empaturramo-nos de filmes tão prenhos dessa noção suburbana de viver às colheradas, dizem eles que é viver, mas, sinceramente, penso que podemos fazer melhor do que isso, ou então tragam-me o revólver porque isto é uma chachada, e talvez aproveite para contar também agora que não acredito na vida depois da morte, e se estiver errado depois logo vejo quando chegar ao céu que é o inferno que mereço com certeza, mas dizia eu, talvez pudéssemos fazer melhor, poderíamos pensar nisso, haverás de pensar que falo muito, mas vais demorar algum tempo a perceber que é bom sinal, o pior é quando me calo, quando as palavras secam em mim e nada encontro para dizer, quando a preocupação em mim morre e por vezes vivo num silêncio tão grande que é impossível voltar atrás, é como se tudo estivesse dito e não houvesse palavras a acrescentar, portanto deixa-me dizer isto, antes que feche os olhos para sentir melhor e já não haja tempo para ouvir e nessa agonia de falarmos e não ouvirmos grandes coisas ficarão por dizer ao ouvido um do outro.



publicado por afonso ferreira às 01:46 | link do post | comentar

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