Quinta-feira, 24 de Junho de 2010

 

E depois, apesar de tudo, há noites em que se respira. Combinamos jantar com um amor do passado no sítio onde estivemos tantas vezes. O passado arrasta um presente que desconheço, mas penso que agora chama-se família moderna – os amigos. O equivalente a dizer que éramos muitos à mesa e que eu recordei porque é que ainda hoje digo antigo amor. Esta capacidade de rir e de juntar pessoas à mesa, esta mania que tu tens de arrancar-me gargalhadas. E entre o peixe e o vinho falamos muito, cada vez mais, sobre o passado. Mas esta noite o passado é leve e é composto de vassouras para sintonizar a televisão, botas botildes roxas que ficavam sempre sem sola, os resquícios de memórias dos tempos pós-revolução. É um jantar farto, de comida e de amigos, em bancos corridos no largo debaixo das árvores.


Fazemo-nos ao caminho para o baile. A banda está a aquecer, o salão é quente, as bebidas estão mornas, é um contra-senso dizer que se respira e no entanto. À primeira dança fico petrificado a olhar para o par, eu não sabia que se podia dançar assim, são dois corpos em sintonia, perfeitos, circulares, tenho dificuldade em reconhecer as pessoas com que ceei. O salão transforma-se, são muitos pares agora, há uma energia frenética no ar, há conversas, encontros, pulos. A cada música os pares separam-se e voltam-se a combinar novos, junto à banda deixo-me ir. E danço, danço e esqueço tudo, deslizo para o momento em que atingimos a sintonia, duas corpos movimentam-se como um só, seguindo compassos sem pensar. Na última dança, saio e vejo-me, os movimentos, os passos, tenho a mão esquerda nas tuas costas e na direita os meus dedos estão entrelaçados nos teus. Percebo que não o fiz nas outras danças, nem com os outros pares, e não sei se o decidi fazer ou não, quando saio de mim é assim que a vejo, entrelaçada. E no meio da música respirei fundo, muito fundo.



publicado por afonso ferreira às 02:50 | link do post | comentar

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