Quatro meses. Em quatro meses é a primeira vez que entro aqui e pelo menos duas vezes ao dia passo à porta. Às vezes fico longos minutos a contemplar ao longe as árvores e quem entra e saí mas nunca transponho o grande portão. Para que não suceda o mesmo que à basílica, algo nefasto sobrepor-se ao desejo, decido entrar, percorrer o jardim lentamente, respirar, sentar na relva, fazer umas festas aos cães. Um pouco de Verão. Ao fundo, num banco ladeado por duas árvores, está um casal. Ela sorri docemente, ele coloca amiúde a cabeça entre as mãos, algo não está bem. São os dois bonitos e jovens, ela de caracóis e vestido veranil, ele de barba, camisa branca, gravata azul. Têm os corpos muito juntos, adivinha-se a intimidade, ele tem gestos de falência, de desespero, ela inclina-se para o seu lado. Agora só há este jardim, este banco e esta conversa. Algo corre mal no paraíso.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES