Duas excelentes notícias em menos de 24 horas e eu sem nenhuma garrafa de champanhe no frigorífico. Entretanto, mais dois capítulos do livro finalizados. E muitos assuntos melindrosos prestes a ser encerrados definitivamente. Moral? Qualquer coisa como o trabalho (deveria dizer resiliência?) compensa, etc, etc. Mais coisas por dizer, tantas e tantas coisas, mas agora vou sair e comemorar alarvemente. Até já.
A adolescência é um território fértil nesse campo; aos vinte definimos o nosso tipo de amor; aos trinta descobrimos algumas formas bizarras de amor dos outros e que nem todos os filhos nascem pelos melhores motivos.
Quem vive pelos media, morre pelos media.
Margaret Monck, Lisboa, 1930
Os dias naufragam no calendário sem perdão pela ordem natural das coisas – horas transformam-se em minutos, os segundos finaram há muito. Como se as medidas de tempo perdessem o ritmo esperado, transmutando-se apenas em algo veloz que já não controlo. Faço as malas de viagem mais estranhas da minha vida – não recolho para levar; selo tudo para que permaneça imutável no meu regresso. No dia marcado no calendário, não estarei cá – não haverá mensagens, telefonemas, amigos ou pessoas menos espantadas –, espero estar bem acompanhado em local aprazível junto ao mar com uma garrafa de champanhe.
A Sonaecom confirmou hoje, em comunicado, uma reestruturação do jornal "Público". As alterações vão implicar a "previsível saída de 48 colaboradores" e "a redução da estrutura de custos em cerca de 3,5 milhões de euros por ano, com a diminuição de custos de funcionamento", refere o comunicado publicado no site do jornal.
Estão todos consternados, de cara à banda, não ouço falar de mais nada. A tragédia, a notícia inesperada a alastrar pelos jornais, as fotografias-chave do percurso, uma carreira tão promissora, um fulgor na juventude, o mundo nas suas mãos, a adulação, o poder. E também as más fotografias, as histórias lamentáveis que saíram na imprensa, o declínio, o corpo inchado de anos e anos de drogas, os amigos em retirada veloz – tudo a surgir à tona outra vez. Há sempre uma história, quase banal que o mal não tem muita imaginação; uma série de más escolhas, uma coisa levou a outra, todos sabem o rosário, culpa da depressão que durou anos, o cair nas mãos dos outros, as veias entupidas de coca, o fígado a liquefazer, o coração a rebentar uma noite esmagado pelos excessos todos do passado. Todos a afirmarem que eram gigantes, e, afinal, a verdade é serem os mais francos do grupo, enjaulados na sua escuridão, uma fraqueza insuportável aos próprios, eis a raiz de tudo – os fortes caem sete vezes e levantam-se oito. Quantas vezes já vi isto? Perdi a conta, sempre o mesmo calvário a finar da pior maneira.
Subitamente, os comprimidos começaram a fazer efeito. Ou a medicação foi ajustada, não sei bem. Então, o fervor com que escreve insultos encriptados renasce. Acorda cedo, excessivamente cedo, as madrugadas oferecem-lhe a confiança que lhe falta no resto – com as mulheres, na cama e fora dela; e acima de tudo na escrita. A ficção nunca será um território conquistado, mas sabe que se misturar habilmente citações estratégicas de autores famosos com duas ou três piadas de esquina, algumas pessoas nunca deixarão de aplaudir por piedade. No fundo, entre os comprimidos e as palmas conquistadas a lágrimas e suor, pode sobreviver mais uns meses. [O idiota]
Fugir a meio do dia em boa companhia rumo ao mar, voltar com os cabelos revoltos e o corpo em sal, e o relógio ainda marcar 16h30.
Hoje chega ao fim um período de quatro meses a preparar um processo moroso que envolveu muito do meu (pouco) tempo disponível – documentos, testemunhas, gravações, depoimentos, papelada, investigações, reuniões, conselhos, e também algumas viagens. Pelo meio aconteceu o Verão, um dos mais intensos que tenho memória; não direi que mergulhar em cheio na sordidez humana seja das experiências mais agradáveis, mas a verdade é que este acontecimento acabou por ser apenas o pano de fundo para quatro meses inesquecíveis – pelo apoio e ajuda das pessoas interessantes, inteligentes e justas que estou rodeado. Aqui fica o meu agradecimento público. Que a festa comece, venha a rentrée.
Não sei o que será pior, um inteligente acomodado ou um burro com atitude.
Citroen DS, 1957, design by F. Bertoni.
Esta noite choveu. Choveu muito, todos os cântaros do céu. Depois chegou o vento, de arrancar telhas dos telhados, insolente e furioso a derrubar árvores. No momento em que cruzo a ponte, cidade nas costas, só azul – céu e rio – no horizonte, o pé no acelerador, a música a aniquilar tímpanos, penso que todos os anúncios a carros foram feitos para mim, consumidor desinteressado de tudo o que é gadget, mas que perde o juízo com um motor nas mãos e uma ponte rumo ao sul.
A felicidade é só um conceito abstracto até nos atingir em cheio. Depois percebemos.
Não sou corajoso, mas usufruí do previlégio de ter sido educado a não ter medo de nada.
(...) Quando ele passa da posiçao mínima de credibilidade para o eixo de gatuno, mentiroso, palhaço, ele não recupera essa posição com facilidade.
Daqui ninguém sai sem cadastro.
Al Berto
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES