O carro a rolar pela baixa, noite, semáforos, pessoas.
Eu – Depois de passarmos uma noite com os sem-abrigo nunca mais olhamos para a situação da mesma forma.
Ele – ...
Eu – Olha a lua, incrível.
Ele – E o dinheiro que empataram no TGV? Nunca mais vai ser recuperado.
Eu – ...
Ao jantar.
Homem 1 – Mas, então não concordas que certos actos devem ser punidos?
Homem 2 – Desagrada-me a ideia de vingança. Quando retalias da mesma forma tornas-te igual a eles.
Homem 1 – Mas a vingança também pode ser uma forma de justiça. Poderá ser uma forma de evitar que o mesmo crime aconteça outra vez.
Homem 2 – Prefiro acreditar que não há nada que não tenha o seu castigo merecido, mais cedo ou mais tarde.
Homem 1 – Mas deus não existe. E se no fim houvesse sempre um castigo, não estaríamos a ter esta conversa. Este diálogo prova que a maior parte das vezes não há castigo nenhum. Esse é que é o problema.
Homem 2 – Mas existe a tua consciência. A vingança nunca é solução.
Homem 1 – Sendo assim, estás à mercê de qualquer pessoa ou situação. Se alguém prejudicar ou insultar não será punido. Se isto acontecer a ti, e se não for um caso de polícia ou tribunal, a tua única resposta será não responder?
Homem 2 – Depende do caso...
Homem 1 – Se fores insultado publicamente, sem razão nenhuma, por exemplo? Não dirás nada?
Homem 2 – Já aconteceu. E reagi, mas não considero isso uma vingança.
Homem 1 – Se reagiste estás a dar-me razão. Embora eu não dê a mesma conotação negativa à palavra vingança. A vingança poderá servir para aplicar a justiça nalguns casos. Será a forma de reacção que define a justeza de resposta.
Homem 2 – Naquele caso acho justo ter enviado os homens.
Homem 1 – Os homens?
Homem 2 – Sim. Angolanos.
Homem 1 – ... ?
Homem 2 – São bastante eficazes e discretos. Nunca mais tive chatices. Se tiveres algum problema dou-te o número.
Homem 1 – Mas eu não acredito na violência.
Homem 2 – Olha que às vezes uma coça resolve muita coisa. É limpinho. Tens é de contratar os gajos certos.
Homem 1 – ...
De manhã, com a chuva a cair na janela.
Ele - Pensas que temos futuro?
Ela - Como individuos, ou juntos?
Ele - Nós, os dois.
Ela - Provavelmente não.
Ele - Parece-te que é uma questão de estatística?
Ela - Não, de volatilidade.
Ele - E se casássemos?
Ela - Com quem?
Ele - Um com o outro.
Ela - Não acredito no casamento.
Ele - E se fosses gay?
Ela - Só se fosse para protagonizar o primeiro divórcio no país.
Ele - Amo-te.
Ela - Não digas isso.
Ele - Achas simplista?
Ela - Demasiado complexo.
Ele - Queres casar comigo?
Ela - A última vez que decidi casar descobri que ele era um nabo.
Ele - Começo a acreditar no futuro.
Ela - E se nos cingíssemos ao sexo e à literatura?
Na esquadra à conversa com o polícia.
Polícia - A sua fotografia da carta de condução está radicalmente diferente da do cartão de cidadão.
Eu - É o penteado. A fotografia já tem alguns anos.
Polícia - Não é só isso, o rosto também. Só os olhos estão iguais.
Eu - É grave?
Polícia - Não se preocupe não o vou multar.
Eu - Por causa do meu aspecto ou porque não tenho a morada igual nos dois documentos?
Marcos Perestrello – O teu superior hierárquico [Rui Pedro Soares] foi para Barcelona ou Milão...
Paulo Penedos – Não, está no Algarve. Não foi para um sítio, nem para outro.
MP – Mas depois vai, acho eu.
PP – Vai para Milão, segunda-feira. Vai-se lá encontrar com o Figo, para com ele celebrar uma coisa um bocado pornográfica, mas pronto.
MP – Que é o quê?
PP – Eh pá … só te posso dizer se tu não disseres a ninguém. Se disseres, não te posso dizer.
MP – Se quiseres dizer, dizes! Se disseres que não é para dizer a ninguém eu não digo.
PP – Não, não digas que é uma coisa… Ele há dias disse-me, muito contente, que tinha conseguido que o Figo apoiasse o Sócrates e eu disse ‘boa e tal’, claro que é importante. E hoje ligou-me a pedir que eu lhe fizesse um contrato de patrocínio para a Fundação Luís Figo, à razão de 250 mil euros por ano.
MP – Pois, imagino…
PP – Ah?
MP – Claro, claro. E isso, aliás, vale muitos votos! Essa merda em subsídios de desemprego…
PP – Ah?
MP – Isso em subsídios de desemprego…
PP – Eh pá, mas ouve-me… O gajo conhece toda a gente e mais alguma e toda a gente em que ele tropeça, do mundo da bola, de repente estão a apoiar o PS e o Sócrates, mas depois todos têm por detrás contratos… todos têm contratos… Até deve ser alvo de alguma risota, não é.
MP – Por acaso não me deram o nome do Figo para os tempos de antena das personalidades para depor!
PP – Pronto, faz-te de novas que o nome vai-te aparecer, só que o apoiante espontâneo e fervoroso primeiro deve querer assinar o contrato, não é?
MP – Sim, sim, vamos ver se depois aparece, se é como outros que eu cá sei que acham que é melhor não darem a cara. Acham que é melhor não darem a cara, abrem uma coisa ali, outra ali.
PP – Exactamente …
MP – Ai..., não aprenderam nada ainda.
O Sol revela as conversas mantidas entre Marcos Perestrello, membro do Secretariado do PS e actual secretário de Estado da Defesa, e Paulo Penedos, membro da Comissão Nacional do PS e advogado na PT, exercendo funções na dependência do administrador executivo Rui Pedro Soares, sobre o apoio de Luís Figo à candidatura de José Sócrates aqui.
No balcão dos CTT a despachar umas cartas e à conversa com o funcionário.
Ele: Então, não quer aproveitar para levar uma prenda para o Dia de São Valentim?
Eu: Nem pensar, abomino esse dia.
Ele: Não me diga. É apenas um pretexto para trocar prendas...
Eu: Precisamente, é o consumismo associado à data que não gosto.
Ele: O Dia de São Valentim é quando o homem quiser.
Eu: Que horror.
Ele: Tenho a certeza que gosta de receber prendas... E se lhe oferecesse um Mercedes?
Eu: Hum, não, não me convence. Só se fosse um BMW.
Ele: Vê? Eu tinha razão. Não há ninguém que não goste de prendas.
No restaurante japonês junto ao rio. A chover.
Ele: Não percebo como é que duas pessoas como nós, tão parecidas, estão sozinhas, não estão juntas.
Ela: Não consigo voltar atrás. Tenho realmente de sentir.
Ele: Vamos dar o último beijo?
Ela: Enviei-te uma carta enorme e respondeste-me com duas linhas...
Ele: Eu estava em viagem...
Ela: Quando partir achas que é possível continuar as consultas com o psiquiatra pela internet?
Ele: É mesmo o último beijo.
Ela: já decidi que quando for embora vou só levar uma mochila pequena e o portátil. Vou deixar tudo para trás.
Ele: Fazes bem.
Ela: A mochila ou o psiquiatra?
Domingo. O carro a deslizar pela marginal. Trânsito e gaivotas.
Ela - Queres casar comigo?
Ele - Humpf...
Ela - Não queres?...
Ele - Quero. Mas só quando me perguntares um vez só. Quando perguntares a sério.
Ela - Mas é um pedido sério...
Ele - ...
Ela - Eu peço-te em casamento todos os dias mas nunca tinha pedido ninguém...
Ele - ....
Ela - A sério.
Ele - Todos os dias não vale.
Ela - ...
Ele - Só aceito quando perguntares uma vez, quando for verdade.
Ela - Queres casar comigo?
Ele - ...
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
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Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
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