A vingança geralmente atinge dois objetivos: ou traz consolo a quem sofreu a injúria, ou lhe traz segurança para o futuro.
Séneca
Vingança, s. f., acto ou efeito de vingar; atitude de quem se sente ofendido ou lesado por outrem e efectua contra ele uma acção mais ou menos equivalente.
Se há duas palavras que são constantemente confundidas são justiça e vingança. Da primeira não há muito a dizer, aparentemente temos o seu significado correcto muito presente, com a segunda começam os problemas. O cristianismo, inscrição máxima na forma de ser portuguesa, e as décadas de ditadura trucidaram não só a vontade de desejo de acção como ofereceu uma conotação negativa à mesma. O resultado é desanimador. Num país sem uma justiça célere nos tribunais e uma opinião pública sem grande valor, o ofendido fica numa canoa sem remos à deriva das marés. Esse sentimento é perceptível no dia-a-dia, nas questões mais comezinhas. Se alguém se queixar de ter sido vítima de alguma ofensa é mais do que certo que a resposta dos seus pares é invariavelmente a mesma. Esquecer, não dar importância, no fundo nada fazer face à mesquinharia de que foi alvo, ou porque deve demonstrar a sua superioridade face ao sucedido ou por ser um esforço em vão qualquer tentativa de reposição da verdade.
Poderíamos pensar que escolher não enveredar pela vingança é uma ideia nobre, afinal olho por olho só deixa duas pessoas zarolhas, mas depois surge uma dúvida. É que ninguém vence o povo português quanto à mania de falar pelas costas, dar a sua facadinha de maledicência, e resolver estas questões em tribunais muito específicos, os que fazem justiça por mãos alheias. A pessoa, a maioria das vezes, não é julgada pelo que cometeu mas por o que alguém considera ser o que merece e a sentença é ditada não sendo sequer convocado o réu ou o criminoso. Os tempos mudam e a bufaria dos tempos da PIDE deu lugar ao silêncio, no entanto as duas formas de agir são prejudiciais de igual modo. Em vez da denúncia na calada, os amigos ou pessoas com interesse na sentença remetem-se ao silêncio, criando assim situações de injustiça no ímpeto de enfraquecer ou mesmo anular qualquer pretensão de defesa do ofendido. É folhear qualquer jornal e perceber como os grupos económicos e políticos já adquiriram o hábito, tão ao gosto da máfia, da cada vez mais forte lei do silêncio. Um silêncio que Brecht descrevia ao ter assistido a tantos terem sido levados, até, por fim, levarem-no a ele.
No âmbito das relações pessoais assistimos ao mesmo fenómeno. A lei do silêncio é particularmente eficaz, se um grupo de pessoas decide que algo é a verdade resta ao visado uma travessia no deserto. A verdade costuma ser adaptada à capacidade dos interesses do grupo que pode ir da profissional à amorosa. O silêncio, a forma mais cobarde de manipulação, pode ganhar muitas formas e atingir qualquer um.
Posso esquecer uma ofensa mas nunca esqueço o nome de quem a cometeu.
a minha língua é a pátria portuguesa
coisas extraordinárias do gabinete
grandes crimes sem consequência
pequenas ficções sem consequência
LEITURAS
Agora e na hora da nossa morte - Susana Moreira Marques
Caixa para pensar – Manuel Carmo
Night train to Lisbon – Pascal Mercier
CIDADES